31/12/11

E é com este poema, lido de fresco, que me despeço de 2011, certa que nos encontraremos em breve. Um bom ano de 2012 para todos, com força, muita força para debelar as "pedras" que aí vêm.


ameixeira

Há no pátio uma ameixeira
C'uma grade de madeira
P'ra a resguardar de quem passa
Mas - não tem nenhuma graça.

Não é capaz de crescer.
Crescer sempre dá prazer.
Mas não falemos em tal
Falta-lhe o sol, afinal.

E ninguém crê na ameixeira
Que nunca deu uma ameixa.
Que é ameixeira, se deixa
Ver na folha e na madeira.


Bertolt Brecht

13/10/11

As eleições na Madeira

De longe, fiz por acompanhar, pela comunicação social, o máximo do curso eleitoral de domingo. Ao fim de algumas horas , consolidados os resultados, senti-me combalida pela(s) surpresa (s) imprevisíveis de tal escrutínio. Nestes dias, além de alguma instrospecção - sim, há que pensar e depreender acerca do mundo que nos cerca, pois o anlfabetismo político (oh Brecht!) pode perfeitamente rematar os acontecimentos de domingo - tenho abordado e até debatido o assunto com alguns amigos, de várias facções partidárias, sejam do continente sejam da Madeira. A incompreensão é o denominador comum das nossas conclusões , o que nos frustra em matéria interpretativa.

Concluir acerca da transferência de votos do PSD para o CDS é fácil, dadas as circunstâncias, seja por insatisfação do regime (vou chamar-lhe assim) seja por estrangulamento democrático ou mesmo por temor do que se avizinha em matéria financeira. A Madeira afirmou-se, é inequívoco, como uma região de direita. Até aqui, por mais que a minha linha política não se identifique com tal cenário e me assista alguma incredulidade pelo apoio às políticas que correm, eu só tenho que respeitar (obviamente) e acatar a decisão do povo.

Discorrer sobre a descida (mais que) significativa do PS , e apesar da desilusão pelo logro da esperança de se afirmar como uma força de oposição de esquerda necessária neste panorama, também não é difícil (mesmo que superficialmente)... do que entendi ( e mesmo no meu hemisfério privado) o líder não espoletou empatia no eleitorado e a mensagem sebastianista (ou entendida como tal) não encontrou respaldo, inclusive, em pessoas que desde há muito elegiam o PS como a sua afirmação de protesto ao jardinismo. Para onde foram estes votos? Sou levada a concluir que para a (triste e envergonhada) elevada abstenção eleitoral (o PSD também desaguou nesta corrente de privação do direito cívico-político...). Mas!... também para o CDS. Pasmos? Pois... admitindo não ter grande expressão percentual, conto-vos que ao almoçar com duas amigas de sempre ( aquelas que são irmãs e de afectos viscerais) e ao abordarmos as eleições que viriam, admitiram que tendo votado sempre PS, desta vez estavam indecisas e o mais provável era que entregassem a sua confiança (?) , a sua esperança, ao CDS. Indignada, insisti: "Porquê?". A resposta: "Porque não me identifico com o candidato do PS, porque votar em Jardim jamais e nos restantes candidatos não vale a pena.". Ainda fiz campanha no almoço, confesso, tentei rebater um raciocínio que me aparentava redutor e pouco reflexivo... mas a amizade tem mistérios que nos fazem acatar a decisão do outro sem alaridos hostis capazes de nos apartar.

Eis que o ininteligível e obscuro havia de emergir no painel eleitoral: a expressão do partido do Sr. Coelho (vou denominar assim a facção que representou pois não me merece outra designação) e a eleição de um deputado do PND (??)- eleição sem o "fenómeno Coelho"!!, o que é ainda amis assustador, dada a conotação fascista destes elementos!.

Quanto ao PAN e Partido da Terra... terem elegido cada um, um deputado é o reflexo não só de uma corrente "romântica" onde emerge a protecção dos animais, do planeta, etc, como a dispersão do protesto "inócuo" face ao descontentamento geral.

Ontem alguém me falava em "manobras de diversão" eleitoral... é aqui que se sustenta a eleição de três (três!!) deputados pelo partido do Coelho e um do PND. Neste processo eleitoral, o circo leporídeo (em detrimento do pão da "arena romana") surripiou votos não só ao PSD (porque este é um aspecto a ponderar face a tamanha expressão , até porque vociferaram um discurso anti-jardiinista desde o início) mas à CDU e ao BE. Assistir a uma campanha populista, onde a arte circence assente em espectáculos tristes e sem graça de exibicionismo do número de "palhaços pobres" conduziu-me a uma conclusão: estes fenómenos - no caso, o "fenómeno coelho" - não são mais do que produtos do jardinismo na semelhança do seu eco e ressonância exacebarbada.

O resultado das últimas eleições da Madeira só pode ser explicado pela máquina jardinista ( que impera desde 1978!!), ou seja, um regime que se perpetua a si mesmo, assegurando em longevidade o seu assento social e parlamentar, mas também em desvios de pretensa oposição inconsistente e inconsciente, desonesta e pouco séria.

É de relembrar que estes sistemas com carácter "autocrático" são uma engrenagem (lembram-se de Soeiro?) difícil de desconstruir. E os trinta e tantos anos de jardinismo continuará ( e por mais um tempo) a produzir este tipo de "fenómenos", ainda mais quando subtraíu consecutivamente a cultura, por exemplo, capaz de exercitar as mentes, desenvolver o pensamento, incrementar as escolhas em consciência... enfim, Cocteau diria : preteriu-se a cultura pois seria uma ameaça ao sistema. Um povo iletrado ( não tenho ousadia para dizer analfabeto) é um povo amestrado...

E, sim, não entendo a descida da CDU num contexto tão particular, de dizimação social em várias frentes, de ataques inconcebíveis aos direitos laborais conquistados, tantas vezes com a VIDA de homens e mulheres... Independementemente - creiam - de qualquer militância ou simpatia partidária, a CDU- Madeira é uma força de uma coerência e verticalidade traduzidas em trabalho e empenho como poucos... é vê-la no terreno todos os dias, persistentemente, arduamente também, a labutar pela dignidade humana! E deparar-se com o resultado eleitoral que a limitou para metade no assento parlamentar é incompreensível... mesmo! Ainda mais face à manifestação burlesca e ridícula do Coelho...

Mesmo reflectindo ao longo destes dias, admito: não entendo o escrutinío das últimas eleições da Madeira.

Aguardem-se agora os espectáculos circences da assembleia regional entre palhaços ricos e pobres... o que seria "pouco nocivo" não fosse a repercussão nefasta que terá no povo madeirense...

:((

30/09/11

1 de Outubro - O que está em causa

Ando arredada do blogue, mas não podia deixar de assinalar a importância do dia de amanhã! De seguida um artigo que sintetiza todos o motivos para amanhã sairmos à rua e vincarmos o nosso protesto:



"No próximo sábado as cidades do Porto e de Lisboa serão palco de duas grandes manifestações convocadas pela CGTP-IN contra o empobrecimento e as injustiças, pela defesa do direito ao emprego, ao salário, às pensões e à Segurança Social.

Estas são razões de sobra para sair à rua e para fazer destas acções poderosas jornadas de luta. Mas a sua importância vai muito mais para além disso. Elas terão uma importância central na determinação das condições para as duras batalhas que se vão seguir em defesa das conquistas de Abril, da democracia e do presente e futuro soberano do País.

Simultaneamente serão um importantíssimo contributo para a luta de todos aqueles que mundo fora enfrentam, cara na cara, a criminosa ofensiva do imperialismo. Serão um estímulo para aqueles que expostos à chantagem do medo e do conformismo vêem na luta dos seus iguais, onde quer que eles estejam, um acto de profunda dignidade e um impulso mais para intensificar a luta e construir futuro.

Ter a consciência de que sair à rua, dando expressão de massas à nossa indignação e ao nosso direito de viver com dignidade e decidir do nosso próprio destino, conferindo à nossa própria acção individual o carácter colectivo de um grito e de uma acção organizada, demonstrando onde está a verdadeira força que pode transformar o mundo, é, nos dias que vivemos, de vital importância para cada um de nós, para todo o nosso povo e para a Humanidade. É esta a importância real e central daquilo que se vai passar no sábado.

O sistema capitalista está mergulhado numa profundíssima crise da qual não está a conseguir sair nos marcos dos seus dogmas políticos, ideológicos e económicos. Estamos perante uma crise que na sua mais profunda essência não é aquela que aparece nos jornais – uma «mera» crise financeira e económica. Não! Estamos a viver uma situação histórica de rápido e abrupto aprofundamento da crise estrutural do sistema capitalista que escancara a sua principal contradição e que traz para a luz do dia a evidência dos seus limites históricos, a sua natureza exploradora, opressora e criminosa, assim como as contradições entre os seus principais agentes e defensores.

O que as inúmeras declarações e reuniões dos principais centros de coordenação do imperialismo – incluindo da União Europeia – realizadas na última semana demonstram é que as classes dominantes só têm uma resposta para a crise: tentaram, e vão continuar a tentar, transferir para os trabalhadores e os povos os custos da sua crise, usando para tal os estados e as instituições do imperialismo que controlam. Querem, e vão continuar a querer, que o grande capital – o seu Deus, a sua razão de existir – continue a ditar os acontecimentos. Optaram, e vão continuar a optar, por um salto qualitativo na recolonização do planeta, massacrando populações, subjugando estados e os seus povos. Decidiram, e vão continuar a decidir, calar todos os que falam verdade e não se submetem.



O mundo não está condenado à barbárie



Mas tudo isto não é um sinal de força, é de fraqueza! As declarações de Merkel e de Obama, sujas e podres de ódio contra os povos da Europa, ameaçando com o retrocesso civilizacional e apontando o caminho do colonialismo do século XXI, não são provas de coragem. São de medo e de fraqueza! E é por isso que dramatizam novamente o discurso da crise para, aterrorizando os povos com o discurso apocalíptico da economia mundial, abrir mais campo ao terror social e ao roubo organizado da mais-valia produzida, entregando-a ao capital financeiro e financiando as guerras imperialistas.

O capitalismo está ferido e a sangrar. Mas como qualquer fera ferida atacará tudo e todos para sobreviver. É então necessário, agora que a crise entra agora numa fase qualitativamente nova, desenvolver, fazer pulsar o factor subjectivo da luta. Aquele que – numa situação de profundíssima agudização da luta de classes e de acumulação de factores objectivos para o desenvolvimento da luta – pode de facto demonstrar que os limites do sistema foram ultrapassados e que a tarefa concreta e possível é a superação do capitalismo e a construção da alternativa – o Socialismo.

A realidade demonstra, como sempre demonstrou a História, que esse caminho está nas mãos e na vontade dos trabalhadores e dos povos. São eles, somos nós, os artífices e os detentores da força necessária para, etapa a etapa, luta a luta, vitória a vitória, abrir, trilhar e alargar os caminhos da alternativa. E é no fundo isto que se vai passar no sábado… Porque o mundo não está condenado à barbárie de um capitalismo em putrefacção. Que ninguém falte à chamada!"

Ângelo Alves

21/08/11

Por Bertold Brecht :


Quem Não Sabe De Ajuda
Como pode a voz que vem das casas
Ser a da justiça
Se os pátios estão desabrigados? Como pode não ser um embusteiro aquele que
Ensina os famintos outras coisas
Que não a maneira de abolir a fome? Quem não dá o pão ao faminto
Quer a violência
Quem na canoa não tem
Lugar para os que se afogam
Não tem compaixão. Quem não sabe de ajuda
Que cale.

14/08/11

Poema 20




Conheço as lágrimas.
As lágrimas do pó,
das mãos, das nuvens e da fala.
Com elas faço jóias, faço casas,
ofereço-as nas palavras
aos campos de silêncio que Deus lavra.

Joaquim Pessoa, in À MESA DO AMOR, Litexa, 1994

09/08/11

de Joaquim Pessoa:

Estava precisamente a dizer-te

que o meu coração tem um sorriso ao qual não

me oponho porque esse sorriso tem a forma de

um barco que desliza sobre qualquer "mar

de lágrimas". Fico satisfeito por teres perdoado

as minhas palavras. Cada uma delas quer ser melhor

que a outra. Sabes?, isto de ser poeta não é de facto

coisa que se recomende, e um verbo é como o vento.

Se alteras o tempo verbal, mudas a direcção do

vento, quero eu dizer, a direcção do pensamento. O que

canto não é o que cantei, e também decerto não será

o que cantarei um dia. Por isso, estava a dizer-te

que o meu coração sorri. E não sorri

apenas. Adora andar por aí, a assobiar

o futuro. Fazendo justiça

a quem me lê.



(Do livro a publicar, ANO COMUM

07/08/11

Estou triste e dói-me


Estou triste e dói-me
o coração tão fundo
que o grito coagula na garganta
...e não circula
mais.

Quando o punhal se crava
na grossa veia cava
e não retira
mortal a ferida sangra
e não para fora.

Agora é tanta
a dor que se não chora
que decanta
na ruga em vão do riso
um limo de soluços mineral.

Carlos Aboim Inglez

AS PESSOAS SENSÍVEIS

(surripiado ao "Cravo de Abril")


As pessoas sensíveis não são capazes
de matar galinhas
Porém são capazes
de comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
à roupa do seu corpo
aquela roupa
que depois da chuva secou no corpo
porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
a roupa
que depois do suor não foi lavada
porque não tinham outra

«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»
assim nos foi imposto
e não:
«Com o suor dos outros ganharás o pão»

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
porque eles sabem o que fazem


28/07/11

É o sistema, estúpidos!


«A crise durará mais um ano e acabará em 2010». Quem o disse foi Dominique Strauss-Kahn, o ex-director geral do FMI, em Outubro de 2009, afirmando que os efeitos da crise económica durariam mais um ano e que se sairia da recessão no primeiro semestre de 2010. Era o tempo de, a partir do FMI, da Comissão Europeia, das conclusões do Conselho Europeu e da Casa Branca, decretar o início da «recuperação lenta e com desafios», a patranha que deu cobertura à intensificação das medidas de transferência dos efeitos da crise para os estados e para os trabalhadores e os povos

Entretanto as consequências da fuga para a frente do sistema cedo se fizeram sentir e a crise aí está, funda, sem fim à vista e com altíssimas probabilidades de novas e ainda mais violentas explosões, tal como o PCP previu. Mas isso não demove os responsáveis políticos de insistir na mentira e exactamente na mesma estratégia. A recente cimeira da Zona Euro foi mais um «brilhante» exemplo desse exercício. Barroso, Rumpoy e Sarkozy lançaram o mote da resolução dos problemas da crise das dívidas soberanas e do euro e do clima de distensão e alívio. Mas foram precisos apenas dias para que a realidade reduzisse ao ridículo as pomposas declarações, como o comprovam duas notícias veiculadas na passada terça feira.

Uma dá-nos conta do debate esquizofrénico nos EUA entre conservadores e democratas altamente demonstrativa do Estado caótico a que chegou a economia norte-americana. O presidente da maior potência capitalista do mundo veio a público proferir uma declaração a pedir consenso para aumentar o tecto da dívida soberana, ameaçando com um crash norte-americano com consequências para todo o Mundo. A outra reduz a lixo as tão mediáticas conclusões da cimeira do euro: A situação não dá sinais de estabilização, pelo contrário; a especulação acelera e avança para novos países e os juros da dívida soberana de curto prazo de países como a Espanha e a Itália disparam. E só poderia ser assim… é que o problema está no sistema, e esse não foi tocado desde 2008. Bem pelo contrário, esbraceja e defende-se com a guerra social contra os trabalhadores, os povos e a soberania das nações

27/07/11

Quando o Amor Morrer Dentro de Ti


Quando o amor morrer dentro de ti,
Caminha para o alto onde haja espaço,
E com o silêncio outrora pressentido
Molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
Espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
E o nocturno calor que se debruça
Sobre as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma o inventário
Do templo onde a vida ora de bruços
A Deus e aos sonhos que gelaram.

Ruy Cinatti

16/07/11

(ai, a vida...)




Essa lesma na tua alma obriga a que os teus sentimentos

mal se movam. E não te adianta dizer que a vida é uma

merda. A vida não dá descanso a ninguém, nem mesmo

aos que vivem fingindo-se de mortos.

Ainda que tenhas medo de fazer perguntas, irás sempre

encontrar respostas. Não te escondas, não te negues e,

sobretudo, não te atrases. É o pior para quem não gosta

de correr, pois a vida não é pródiga a repetir oportunida-

des. E se elas estão na tua cabeça, empresta-as ao teu cor-

po, empresta-as a ti mesmo. Acautela os teus interesses,

simplesmente. Só as coisas simples sabem voar. Os bodes

expiatórios não.

E, por favor, não me digas que estás velho. O tempo não

existe. O que na realidade existe, é o registo do que sou-

bemos fazer com ele. Da capacidade de fazer da nossa vi-

da a melhor coisa que a vida tem. Nem mais, nem menos.

Joaquim Pessoa

11/07/11

Facundo Cabral !



"Não estás deprimido, estás distraído".
Até sempre, poeta das canções, da vida, das lutas...

04/07/11

O que fica...


"No fim tu hás de ver que as coisas
mais leves são as únicas que o vento
não conseguiu levar:
um estribilho antigo,
um carinho no momento preciso,
o folhear de um livro de poemas,
o cheiro que tinha um dia
o próprio vento"

(Mário Quintana)

26/06/11

As canções que ouvimos...




"Há sempre tempo para uma canção. Para quem vive tranquilo

e sozinho a canção é como a lua, uma boa companheira que

invariavelmente tem sede à hora a que costumam abrir os ba-

res. Seja qual for a canção. Não sei se pensas da mesma ma-

neira, mas o importante é que penses, ainda que de maneira

diferente.

Uma canção?, poderás perguntar. Por quê uma canção?, pode-

rás admirar-te. Eu digo-te. Uma canção é um bocado de ale-

gria, um bocado de melancolia, um bocado de nós. Uma can-

ção pode ser violência, brutalidade, perdão, loucura. E noite,

pele, paixão, incêndio. E também pode ser sacrifício, e frio, e

sofrimento.

E tudo o que o dia treme. E tudo o que a noite guarda.

Uma canção é silenciosa como as lágrimas, dolorosa como as

lágrimas, feliz como as lágrimas, irrepetível como as lágrimas.

Uma canção dói, agride, transforma, acalma, substitui, ilumi-

na, mas também chateia, também cansa, também destrói. E dá,

muitas vezes, vontade de cantar. Quantos suicidas teriam he-

sitado se, antes, tivessem tido tempo para ouvir uma canção?

E quantos outros gestos e decisões guardámos para depois

porque não pudemos também, antes, escutar uma canção? A

canção tem temperatura. E tem cor. E sentimentos. Pode cau-

sar medo e pode ser heróica. E pode desanimar ou incutir es-

perança. Cada canção é de todos, mas é mais de uns do que

dos outros.

É preciso que te identifiques com as tuas canções. Elas dir-te-

-ão o que um só homem não pode dizer-te, mas o que, atra-

vés dos homens, Deus procura que te seja dito."

Joaquim Pessoa

23/06/11

Ainda Torga



Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga

21/06/11

Regresso



... de regresso ocorreu-me este poema, não o lia há muito, muito mesmo:
Regresso



Regresso às fragas de onde me roubaram.

Ah! minha serra, minha dura infância!

Como os rijos carvalhos me acenaram,

Mal eu surgi, cansado, da distância!



Cantava cada fonte à sua porta:

O poeta voltou!

Atrás ia ficando a terra morta

Dos versos que o desterro esfarelou.



Depois o céu abriu-se num sorriso,

E eu deitei-me no colo dos penedos

A contar aventuras e segredos

Aos deuses do meu velho paraíso.

05/06/11

Férias!

Cumprido um dia fulcral para o futuro do país, vou descansar!
Não sem antes dizer o quanto me orgulho do partido que apoio, por todo o empenho , dignidade e coerência com que conduziu a campanha eleitoral. Parabéns!!:)))


04/06/11

É tempo de mudar!!

Porque hoje é dia de relfexão este vídeo reincide:

03/06/11

Antes de amar-te

Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.´

Pablo Neruda

29/05/11

Privatizado




"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence."


Bertold Brecht



As Muitas Maneiras de Matar


"Há muitas maneiras de matar. Podem enfiar-te uma faca na barriga, arrancar-te o pão, não te curar de uma enfermidade, meter-te numa casa sem condições, torturar-te até a morte por meio de um trabalho, levar-te para a guerra, etc. Somente poucas destas coisas estão proibidas na nossa cidade.»

Bertold Brecht

28/05/11

Parabéns sra. Gata!

Hoje a sra. Gata, a co-autora silenciosa deste blogue faz 16 anos!!!!!! Sim, é sabido que sou uma "dona" (embirro com este termo) vaidosa, e não podia deixar passar o dia sem partilhar este meu orgulho que é uma sra. Gata linda, meiga, companheira e tão amiga.:)))))

25/05/11

Apelo aos estudantes de Coimbra (a propósito das manobras provocatórias a pretexto da defesa do património da Universidade).



Um texto a ler a propósito da luta recentemente travada em pleno comício da CDU na escadaria em Coimbra, onde dezenas de manifestantes (estudantes) se insurgiram, curiosamente não contra os direitos que são ameaçados e retirados continuamente aos estudantes , mas contra o vandalismo(?) a que a escadaria teria sido sujeita, quando muitos devem saber que a propaganda e expressão ideológica por meio de murais não só é ancestral como constitucional:

"Que os estudantes de Coimbra - as duas dezenas de milhar de estudantes que não foram ontem à escadas monumentais protagonizar um triste espectáculo de arruaça e provocação política, e mesmo os que foram, pensando que estavam bem intencionados - reflictam sobre este acontecimento, sobre o que ele significa, sobre a História da Academia e sobre o papel da Associação Académica que é suposto representá-los.

É que é a primeira vez que o Presidente da AAC se envolve e objectivamente alimenta uma provocação político-partidária e interfere directa e publicamente numa campanha eleitoral, tudo em nome de uma suposta defesa de património da Universidade.

Como antigo estudante de Coimbra, ex-dirigente da AAC e activista em defesa da Universidade e do Ensino Superior Público, sinto profunda tristeza e vergonha por ver estas três letras e essa grande instituição - que tanto dizem a tanta gente e que tantas vidas marcaram - envolvidas numa tão baixa manobra partidária dirigida a partir dos gabinetes daqueles que ao longo dos anos têm dado machadadas atrás de machadadas no ensino superior público, têm condenado a Universidade de Coimbra ao constante aperto de cinto e têm tratado os estudantes de Coimbra como uns mariolas que só sabem gastar dinheiro aos pais e ir para as ruas fazer barulho.


Esses são os mesmos que não lutaram contra o fascismo, tendo alguns mesmo apoiado a ditadura. Esses são os mesmos que não sabem o que é receber a notícia que um companheiro de luta morreu ou foi preso porque decidiu lutar pela liberdade e também pela Universidade como espaço de criação e resistência. Esses são os mesmos que não sabem o que foram as reuniões e encontros clandestinos na baixinha de Coimbra para organizar e dar força ao movimento estudantil contra o fascismo. Esses são os que não conviveram bem com o movimento das repúblicas e que hoje, apesar dos discursos, as continuam a olhar com desconfiança. Esses são os mesmos que não estavam na sala 17 de Abril, que calaram ou fugiram quando os cavalos da GNR subiram à alta.

Esses são os mesmos que não foram às manifestações em defesa do ensino superior público, que não sabem o que foi organizar a primeira manifestação em Coimbra contra as propinas contra a opinião da DG/AAC da altura. Esses são os que nunca souberam o que é apanhar da polícia apenas por defender o direito às bolsas e às residências, que não sabem o que é dar horas e forças da nossa vida a dinamizar secções da AAC e a discutir como arranjar dinheiro para pagar bolsas atrasadas ou salários aos funcionários da AAC. Esses são os mesmos que não sabem o que é passar noites em claro a produzir comunicados e panfletos e depois, de manhã, ir para o cimo das Escadas monumentais fazer distribuições e falar com milhares de estudantes.

Esses são aqueles que não sabem o que é passar dias inteiros a ir falar às turmas explicando o que era, e que mal fazia, a lei de financiamento do PSD (primeiro) e do PS (anos depois). São os mesmos que nunca sentiram o coração a palpitar numa Assembleia Magna, que nunca sentiram o orgulho e a alegria de ver, na Estação de Santa Apolónia, sair de dois grandes comboios uma imensa mole humana de estudantes vestidos de negro – sim o mesmo traje que foi usado ontem – gritando “Académica!”.

Esses nunca saberão a emoção que ainda hoje se sente quando se pronuncia a frase “estudantes unidos jamais serão vencidos!”

Não venham falar de respeito pela Universidade!!! Respeito pela Universidade é lutar por ela, é dar parte da nossa vida a ela, é defender o seu património todo, o seu coração – as pessoas e os princípios - e a sua história de luta! Pintando as escadas monumentais sim senhor! como tantas vezes se fez, e fazendo tantas outras coisas e tão bonitas, como um concerto de música clássica no pátio da universidade para comemorar o aniversário da AAC ou como uma invasão pacifica da “Cabra” para dizer que estávamos em luta!

Respeito pela Universidade é conhecer a sua História, os seus corredores, os seus problemas, as suas dores, e também as suas alegrias, conquistas, belezas e potencialidades, e não apenas umas escadas que, despidas da história de resistência de que foram palco, são apenas pedras mandadas colocar por Salazar que, fique sabendo-se, destruíram outras que ali existiram antes – as Escadas do liceu.

Fiquem sabendo aqueles que consideram as escadas monumentais o “símbolo” da Universidade que a concentração de edifícios na alta universitária mandada erigir por Salazar foi-o com um objectivo: restringir a circulação dos estudantes àquele espaço. E fiquem sabendo esses mesmos que a construção desses “símbolos” implicou a destruição de parte considerável do centro histórico de Coimbra, nomeadamente edifícios como a antiga sede da AAC, o Governo Civil, a Biblioteca Geral, igrejas e parte da muralha medieval da cidade.

Não venham invocar o respeito pela Universidade! Respeito pela Universidade é não atacar e não provocar aqueles que a defendem, mesmo que esses não partilhem a nossa ideologia. Respeito pela Universidade é saber o que significa de facto o conceito da unidade. É saber (como os comunistas souberam e sabem) trabalhar lado a lado com gente muito diferente, defendendo o direito à educação, respeitando as tradições da Academia (mesmo não concordando muitas vezes com todas elas) e trabalhando para que a Universidade continue a ser um espaço de profunda democracia, de irreverência plena de conteúdo, de participação, de partilha de saberes e experiencias, de solidariedade, fraternidade, amizade e amor a causas.

Respeito pela Universidade não é dizer que aquelas escadas são da AAC ou da Universidade, como pobre e tristemente afirmou o estudante que hoje assume o cargo de Presidente da AAC. Como muitos sempre defenderam, e como tantas vezes a DG/AAC soube interpretar sabiamente, a Universidade é dos estudantes, da academia e da cidade, é de todos, e não de alguns! Ninguém é dono dela!

Aqueles que invocando UNESCO's e afins querem divorciar a Universidade de Coimbra da cidade saibam que estão a matar a Academia aos poucos! A Universidade e os seus edifícios não são museus, são pedras com vida e com história, são aquilo que em cada momento os estudantes e as gentes de Coimbra quiserem que ela seja! Aquelas escadas não são um monumento, são umas escadas! Mas umas escadas especiais, muito especiais, porque nelas e através delas, já se lutou muito pela democracia, pela liberdade, pela justiça e pela Universidade.

Sou Comunista. Os comunistas sempre estiveram ao lado dos estudantes de Coimbra, temos um património e uma acção presente da qual muito nos orgulhamos. Somos respeitados por isso e temos grandes amizades junto daqueles que connosco aprenderam, lutaram e trabalharam pela AAC e pela Academia, e com os quais aprendemos tanto também! Esses sabem que pintar as escadas monumentais é tudo menos um acto leviano, de desrespeito para com quem quer que seja.

É natural que alguns dos que estiveram ontem envolvidos na provocação à CDU não saibam a história toda daquelas escadas e da luta estudantil em Coimbra (antes e depois do 25 de Abril, antes e depois das lutas das propinas). Mas faço um apelo, que se informem e concluam que pintar as escadas monumentais com slogans que defendem os estudantes e o ensino superior público gratuito e de qualidade foi um profundo acto de respeito! Não para com as escadas, que são pedras, mas para com aquilo que de melhor já lá se passou, para com a Universidade, para com os estudantes, para com a Academia e para com a cidade de Coimbra. Foi um acto de propaganda legítima, mas também uma homenagem!

E foi também um grito de alerta para chamar a atenção que a política não passa apenas na televisão, como uma qualquer novela. Que a política é criatividade, é esforço pessoal, é generosidade e pode e deve ser feita por todos!

Aos estudantes e às gentes de Coimbra fica o apelo: reflictam… reflictam se vale a pena tentar calar aqueles que não se resignam à política espectáculo, à política “plástica” desprovida de ideias, ideais e sonhos.

Reflictam se é nos que insistem – como a CDU - num método de propaganda legal e legítimo, que está referenciado nos anais da História da Universidade de Coimbra e que inclusive faz parte do acervo que agora é candidato a património mundial, que está o perigo de destruição do património da Universidade, dos Estudantes, da AAC e da bonita cidade de Coimbra.


Ângelo Alves - 25.05.2011















22/05/11

"Um homem não pode ser mais homem do que os outros, porque a liberdade é igualmente infinita em todos."

Jean-Paul Sartre

14/05/11

A l"iberdade" do capitalismo

“Os capitalistas chamam 'liberdade' a dos ricos de enriquecer e a dos operários para
morrer de fome.
Os capitalistas chamam liberdade de imprensa a compra dela
pelos ricos, servindo-se da riqueza para fabricar e falsificar a opinião pública."

Vladimir Ilich Ulyanov (Lenin)

08/05/11

AO RETRATO DE CATARINA



Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lá...bios resolutos
...Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta

Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido

Tenra seara continhas
Visivel já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura

Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

Carlos Aboim Inglez

01/05/11

Palavras para a Minha Mãe

mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

José Luís Peixoto

1º Maio - 1974



Imagens do nosso primeiro 1º de maio :)) Tal como em 1974, é necessária a mobilização urgente e a união triunfal de todos os trabalhadores em torno da consagração universal dos direitos de quem trabalha!

28/04/11

Amigo



Para o Fernando Samuel do Cravo de Abril:

"Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções.

2.
Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.

Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.

Amigo,
se tens fome come do meu pão.

3.
Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
- como o meu coração - sempre buscando altura.

Sorris-te - amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou... Menos aquela lembrança...

... Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio... "


Pablo Neruda


(um beijo amigo!)
:))

24/04/11

20/04/11

Cuba e a Revolução



"Os média trataram o VI Congresso do Partido Comunista Cubano como um Congresso em que tudo está decidido à partida «pelo chefe», dando simultaneamente a ideia de um País que resiste desesperado economicamente à inexorável marcha do fim do socialismo. Mas a realidade é outra. O que sobressai destes dias de Congresso não é qualquer imobilismo, centralismo burocrático ou «entrincheiramento» desesperado.

O que sobressai deste Congresso é em primeiro lugar uma importantíssima e ampla participação e discussão colectivas. O VI Congresso foi o culminar de um extraordinariamente amplo debate envolvendo 1000 delegados ao congresso eleitos nos 61 000 núcleos do Partido, mais de 800 000 militantes do PCC e cerca de oito milhões de cubanos que num admirável processo de democracia participativa tiveram oportunidade de participar directamente na definição da política económica e social de Cuba.

Trata-se de facto de uma gigantesca discussão colectiva sobre a actualização do modelo económico e social do PCC e da Revolução socialista. Uma discussão que iniciou a sua fase decisiva em Novembro do ano passado e que resultou no assinalável facto de cerca de 70% das 291 teses postas à discussão terem sido alteradas, tendo algumas mesmo sido abandonadas de acordo com as opiniões recolhidas, assim com outras (36) acrescentadas com base em propostas apresentadas.



Em segundo lugar, o que sobressai deste Congresso não é qualquer desespero. É antes uma acção e discussão decididas que, não ignorando problemas e dificuldades, não fugindo à autocrítica e não escamoteando erros, não negando a necessidade de ulteriores confirmações que possam prevenir erros e contradições, exigindo rigor e responsabilidade, lança o País numa autêntica batalha pelo aperfeiçoamento do modelo económico e social socialista partindo da experiência acumulada e das lições entretanto retiradas.

Uma acção e discussão que, partindo do princípio de que o Socialismo é o sistema que melhor serve os interesses e aspirações do povo de Cuba, se volta para o futuro e para o fortalecimento da Revolução socialista. Uma acção e discussão decididas que tendo como ideia central desenvolver a economia, a sua capacidade produtiva, torná-la mais eficiente, descentralizada e justa, mantém os princípios da propriedade social e da planificação económica, e reafirma que, como disse Raul Castro, nenhum cubano será deixado desamparado e que as conquistas da Revolução que – apesar do criminoso bloqueio a que Cuba é sujeita há meio século – no plano da saúde, da educação e da protecção social fazem Cuba pertencer ao grupo de países com índice de desenvolvimento humano elevado, são para manter e mesmo aprofundar.



Cuba, como referem os próprios dirigentes cubanos, não é «o paraíso na terra», seria difícil sê-lo quando se é o alvo de ataques económicos, terroristas, diplomáticos, mediáticos e ideológicos há mais de meio século. Mas que este Congresso vem demonstrar mais uma vez é que o povo Cubano sabe pensar pela sua própria cabeça, que está determinado em continuar a ser ele próprio a decidir dos seus destinos, que está disposto a tomar nas suas mãos a defesa dos seus próprios interesses, aspirações e direitos e a defesa da independência da sua pátria, isso é uma verdade.

Uma verdade que é explicada pelos princípios reafirmados neste Congresso, pela própria história de Cuba e, nomeadamente, pelas efemérides que se comemoram nestes dias em Cuba: os 50 anos da proclamação do carácter socialista da Revolução e a vitória sobre os Estados Unidos, a CIA e os mercenários ao seu serviço, na batalha de Playa Giron. Um acontecimento que «casou» definitivamente a luta pela independência à construção do Socialismo, uma extraordinária vitória militar que só foi possível porque o povo cubano tomou consciência e acreditou na força determinante da sua unidade e no poder imenso das massas populares em movimento. E é isso que apaixona e nos dá confiança ao olhar hoje para aquele povo e para a sua Revolução. "

Por Ângelo Alves, in jornal Avante (19/4/11)

16/04/11

Bilhete para o amigo ausente



Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar
intangíveis laranjas de luz
laranjas que apetece roubar.

Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago
seda imaterial seda pura
de criança afogada no lago.

Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios do sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho.

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

12/04/11

José Mário Branco - FMI (ao vivo/audio) parte 2

Como é que se pode deixar que "eles decidam tudo por nós"?!!

FMI - José Mário Branco (sem censura) 1de 2

Agora, como há 3 décadas...

08/04/11

Marcha pelos animais



Os tempos estão difíceis e existem tantas lutas urgentes por travar, mas esta não é uma causa menor. Como diz o amigo Mário do Trepadeira, "Não são brinquedos, são seres vivos!".

Mouseland

Uma fábula que se adequa à política de alternância ps/psd que os portugueses têm defendido nas últimas décadas:

07/04/11

A Madeira... é um jardim *

** "Partiram sem grandes expectativas. Manhã cedo e sol tímido. Esperava-os uma jovem desconhecida, de sorriso transparente. Estavam apreensivos quanto ao número de participantes na sessão para a qual tinham sido convidados. O tema era Maus Tratos Infantis , a organização pertencia ao Partido Comunista da Madeira, teria lugar numa sexta-feira durante a tarde, num hotel da cidade velha. Quem estaria presente, para além de militantes e simpatizantes do partido organizador? Mas a sala estava cheia - e quem promovia o evento perguntava entre si quem era quem, uma vez que não conhecia metade dos presentes.
Eles já tinham ganho. Sentiram-se mais livres pela maturidade manifestada por todos aqueles profissionais, que já conquistaram o seu lugar ao Sol - Sol que escolhem sem paternalismos nem medos. O debate durou para além da hora prevista. Ficou o embrião de uma delegação da Rede de Cuidadores na Madeira. Como não arrumam as pessoas por partidos, mas procuram escolhê-las por acções e práticas, sentiram-se disponíveis para voltar, a convite seja de quem for. A procissão ainda vai no adro. Pela noite, enquanto comiam espada com banana ou espetada em folha de loureiro, foram avivando o conhecimento da luta travada naquela região autónoma, durante anos, pelo padre Edgar, no que respeita à prostituição infantil, à pedofilia, à pobreza radical que está geralmente na origem destes fenómenos. Hoje, a realidade parece ter mudado para melhor mas como em todo o mundo estes crimes não deixaram de existir. O padre Edgar foi preso por lutar pelos mais frágeis dos seus conterrâneos - enquanto o padre Frederico foi comparado numa outra Quaresma, pelo bispo emérito da Madeira, a «Jesus Cristo no percurso da Paixão». Não adianta escandalizarmo-nos - o que é preciso é convertermo-nos. Só a verdade é libertadora em tempos de tanta hipocrisia. Sexta-feira à noite já as expectativas tinham transbordado tudo o que haviam previsto. Havia interlocutores que, mesmo perseguidos, resistiam - serenos e sem ódio. A serenidade de quem sofre perseguições em nome da Justiça sempre os espantara, embora alguns acreditem que esses são os bem-aventurados.

No sábado, antes do regresso, foi o tempo das peregrinações . De manhã, ao centro da cidade do Funchal - que o grupo há um ano tinha visto submerso nas imagens televisivas e onde hoje quase não há sinal da catástrofe. Lá em cima, nas montanhas, ainda há muito que fazer - diziam-lhes; mas aqui, na cidade turística, que dá o pão de cada dia a centenas de pessoas, tudo parece ter sido limpo por gigantes bons, que emprestaram a sua força ao espírito resistente de homens e mulheres comuns e empreendedores.
Almoçaram em Câmara de Lobos e partiram para Machico a retribuir ao padre Martins Júnior uma visita que fizera a Lisboa, quando um deles brincava entre a vida e a morte a combater um cancro ruim. Eu sou cristã, muitas vezes católica, os meus companheiros são agnósticos. Quando nos mostrou a igreja, tocou-nos a todos a simplicidade das flores, talvez criadas nos quintais dos paroquianos, e umas imagens pequenas, dispostas discretamente, no Altar-mor. Vindos da luz exterior, alguns de nós não percebemos à primeira do que se tratava. «É a Via Sacra. Este ano decidimos reflectir sobre o papel das mulheres durante a Paixão de Cristo; vejam Maria, mãe de Jesus, Verónica, Maria Madalena.». Aquelas que tiveram menos medo; ou o dominaram melhor. Subiram ao sótão, aproveitado para presbitério e sala multiusos, onde se ensina catequese e se aprende música. Retratos grandes de Ghandi, Madre Teresa de Calcutá, Zeca Afonso, Martin Luther King, padre António Vieira entre outros. Homens e mulheres que estarão juntos seja onde for esse espaço ou tempo, e que ali coabitam sob os braços largos de um crucifixo onde com eles está Jesus Cristo. Começaram a chegar os garotos. Eram adolescentes iguais aos que desertam nas outras paróquias que todos conhecemos. Quando regressaram, um dos do grupo, homem jovem, grande e agnóstico assumido, disse para a mulher: «Se alguma vez te quiseres casar pela igreja, tem de ser aqui». "

* Crónica da Dra. Catalina Pestana do dia 1 de Abril de 2011 no semanário "Sol".
** Na foto: Dra. Catalina Pestana, Sr. Padre Martins e Pedro Namora em frente à (tão bela, creiam..) igreja da Ribeira Seca , em Machico.

04/04/11

02/04/11

CANÇÃO DE GUERRA

Um poema surripiado ao "Cravo de Abril" agora mesmo, adequa-se ao travo que tenho na alma por estes dias: Aos fracos e aos covardes não lhes darei lugar dentro dos meus poema. Covarde já eu sou. Fraco, já o sou demais, e se entre fracos for me perderei também. Quero é gente animosa que olhe de frente a Vida, que faça medo à Morte. Com esses quero ir, a ver se me convenço de que também sou forte. Quero vencer os medos... Vencer-me - que sou poço de estúpidos terrores, de feminis fraquezas. Rir-me das sombras, rir-me das velhas ondas bravas, rir-me do meu temor do que há-de acontecer. Venham comigo os fortes... Façam-me ter vergonha das minhas cobardias. E de seus actos façam (seus actos destemidos) chicotes prós meus nervos. Ganhe o meu sangue a cor das tardes das batalhas. E eu vá - rasgue as cortinas que velam o Porvir. Vá - jovem e confiado, cumprindo o meu destino de não ficar parado. Sebastião da Gama

28/03/11

Colóquio "Maus-tratos a crianças"



Foi há uns dias, no Funchal e a azáfama em que andei para a concretização deste acontecimento não me permitiu partilhá-lo além do post de divulgação sucinta pelo facebook. Passado o evento, não é menor a partilha do momento. Reuniram-se quatro rostos determinantes na luta contra os maus-tratos a crianças em Portugal num encontro, acreditem, marcante numa cidade com as particularidades, sobretudo políticas, do Funchal.
Edgar Silva, à direita na foto, travou batalhas inimagináveis ao mais comum dos comodistas (e são tantos) que pululam as sociedades. Num período (que perdura...) de cavalgadura política e religiosa houve um homem que se insurgiu, curiosamente não para mudar qualquer uma das instituições, mas para defender e proteger uns quantos (inúmeros ainda...) seres que o sistema abandonara, e assim sujeitara às maiores atrocidades e destratos.
Eram crianças! E viviam pelas ruas, sem retaguarda familiar, sem afectos que não fossem os partilhados entre os bandos de meninos que sonhavam ser homens...
Meninos que sorriam tristemente nas "mergulhanças" que eram não mais do que mergulhos atléticos e artísticos no mar para recuperar moedas que os turistas, alarvemente, lhes lançavam dos navios, sob a contemplação divertida de tanta gente cúmplice em redor. Também eu era menina quando assisti repetidamente às "mergulhanças" nos passeios domingueiros que se faziam pelo cais da cidade. Delirava com as acrobracias dos meninos, mergulhava imaginariamente com eles e congratulava-me quando exibiam o troféu, como se também meu se tratasse : uma moeda de dois escudos e meio, na maioria das vezes, para gáudio do público que aplaudia como se estivesse no circo...

Eu não sabia que aquele era o espectáculo mais triste do mundo! Que aquelas tardes da minha infância debruçadas no cais, eram tão só o reflexo de uma sociedade perversa, onde o poder era o trunfo que movia pessoas desprovidas de alma, e onde a igreja se alienava do seu papel de raiz, solidário e social, e se imiscuía na podridão da política.
Além da mendicidade e de todas as privações de cuidados e direitos que todas as crianças têm consagrados pela UNICEF, estes meninos eram sujeitos a sevícias,abusos sexuais e prostituição. Foi o Edgar, então padre, dotado de um carácter especial, de um humanismo raro e de uma força colossal quem se debateu para resgatar estas crianças da rua , criando para elas uma "Escola Aberta". Esta, era livre, desprovida de regras ou imposições capazes de repelir estas crianças que temiam a própria escola, porque a tinham como castigadora. Uma das condições que eles próprios impuseram para a sua escola era de que os "professores (que eram voluntários...) não podiam bater"... - a dor das crianças expressa em restrições que a memória do seu próprio sofrimento escudava.

Mas a escola dos meninos de rua do Funchal e Câmara de Lobos fechou e o Edgar foi preso, na altura. A força dos que ousam lutar dignamente por um mundo melhor incomoda a sujidade dos corredores políticos em promiscuidade com a igreja.

No passado dia 25 reuniram-se com o Edgar, o Pedro Namora, a Dra. Catalina Pestana e o Dr. Álvaro Carvalho, também eles combatentes pela dignidade das crianças, cuja luta é mais conhecida pelo mediatismo do Processo Casa Pia.
O encontro foi bem sucedido, segundo atestaram vários participantes, incluindo os palestrantes. Julgo ter sido das poucas cuja satisfação ficou aquém do esperado. Embora a sala estivesse repleta de gente, para mim não foi o suficiente, dado o empenho que tenho nesta causa e a importância incontestável que este tema carrega na construção de qualquer sociedade sã. Esta, é uma temática que devia mobilizar o mundo inteiro!

Dizia-me alguém em tom de explicação que, porventura, se não fosse uma iniciativa da CDU, a sala, além de estar cheia como era o caso, seria insuficiente para uma procura massiva... E confesso-vos que esta ideia me indigna: então os direitos das crianças são partidários? Desde quando é que se partidariza a consagração da dignidade da criança?!!

Mas "o caminho faz-se caminhando", não é? E as transformações sociais, sobretudo as de mentalidade, nunca se fizeram "num dia", mas sim como resultado de lutas persistentes, teimosas, árduas e nunca, nunca alquebradas!

Como as dos quatro palestrantes.

Dia 27 março: Dia Internacional do Teatro

MENSAGEM DO DIA INTERNACIONAL DO TEATRO DE 2011 por Jessica Kaahwa que, além de dramaturga e actriz, é uma defensora implacável dos direitos humanos!
(sim, foi ontem, mas só acedi à msg internacional hoje:)

"Este é o momento exacto para uma reflexão sobre o imenso potencial que o Teatro tem para mobilizar as comunidades e criar pontes entre as suas diferenças. Já, alguma vez, imaginaram que o Teatro pode ser uma ferramenta poderosa para a reconciliação e para a paz mundial? Enquanto as nações consomem enormes quantidades de dinheiro em missões de paz nas mais diversas áreas de conflitos violentos no mundo, dá-se pouca atenção ao Teatro como alternativa para a mediação e transformação de conflitos. Como podem todos os cidadãos da Terra alcançar a paz universal quando os instrumentos que se deveriam usar para tal são, aparentemente, usados para adquirir poderes externos e repressores? O Teatro, subtilmente, permeia a alma do Homem dominado pelo medo e desconfiança, alterando a imagem que têm de si mesmos e abrindo um mundo de alternativas para o indivíduo e, por consequência, para a comunidade. Ele pode dar um sentido à realidade de hoje, evitando um futuro incerto. O Teatro pode intervir de forma simples e directa na política. Ao ser incluído, o Teatro pode conter experiências capazes de transcender conceitos falsos e pré-concebidos. Além disso, o Teatro é um meio, comprovado, para defender e apresentar ideias que sustentamos colectivamente e que, por elas, teremos de lutar quando são violadas. Na previsão de um futuro de paz, deveremos começar por usar meios pacíficos na procura de nos compreendermos melhor, de nos respeitarmos e de reconhecer as contribuições de cada ser humano no processo do caminho da paz. O Teatro é uma linguagem universal, através da qual podemos usar mensagens de paz e de reconciliação.Com o envolvimento activo de todos os participantes, o Teatro pode fazer com que muitas consciências reconstruam os seus conceitos pré-estabelecidos e, desta forma, dê ao indivíduo a oportunidade de renascer para fazer escolhas baseadas no conhecimento e nas realidades redescobertas. Para que o Teatro prospere entre as outras formas de arte, deveremos dar um passo firme no futuro, incorporando-o na vida quotidiana, através da abordagem de questões prementes de conflito e de paz. Na procura da transformação social e na reforma das comunidades, o Teatro já se manifesta em zonas devastadas pela guerra, entre comunidades que sofrem com a pobreza ou com a doença crónica. Existe um número crescente de casos de sucesso onde o Teatro conseguiu mobilizar públicos para promover a conscientização no apoio às vítimas de traumas pós-guerra. Faz sentido existirem plataformas culturais, como o [ITI] Instituto Internacional de Teatro, que visam consolidar a paz e a amizade entre as nações. Conhecendo o poder que o Teatro tem é, então, uma farsa manter o silêncio em tempos como este e deixar que sejam “guardiães” da paz no nosso mundo os que empunham armas e lançam bombas. Como podem os instrumentos de alienação serem, ao mesmo tempo instrumentos de paz e reconciliação? Exorto-vos, neste Dia Mundial do Teatro, a pensar nesta perspectiva e a divulgar o Teatro, como uma ferramenta universal de diálogo, para a transformação social e para a reforma das comunidades. Enquanto as Nações Unidas gastam somas colossais em missões de paz com o uso de armas por todo o mundo, o Teatro é uma alternativa espontânea e humana, menos dispendiosa e muito mais potente. Não será a única forma de conseguir a paz, mas o Teatro, certamente, deverá ser utilizado como uma ferramenta eficaz nas missões de paz."

22/03/11

ASCO

Agora, não se chama Saddam, não é o Iraque onde, a pretexto de armas de destruição massiva que nunca existiram, já assassinaram um milhão de pessoas. Pessoas? Talvez não. Umas coisas sujas que por lá andam. Eram os tempos do facínora de bigode, o diabo que antes era um grande amigo do tio Sam e dos seus lacaios da Europa falida. Enforcaram-no, num julgamento justo e digno (!), como sempre são os do mundo "civilizado". Quem enforcará o assassino Bush, o assassino Obama, o assassino Sarkozy e a respectiva corja? Agora, o novo quintal dá pelo nome de Líbia e chama-se Kadafi o novo facínora. Talvez o seja, talvez sempre o tenha sido. Mas era amigo dos que agora o odeiam, demasiado extravagante, é certo, mas com direito a negociar e a montar tenda de luxo nas cimeiras da hipocrisia. Cinismo, asco, como ontem dizia o Comandante Chávez, na Telesur. O "Império da Loucura", segundo Chávez, é o mesmo que ao longo da história matou, chacinou, saqueou e devastou a África e a América Latina. Com a Bíblia numa mão e uma espada na outra. O "Império da Loucura" nunca dorme. Sempre que é preciso, prepara o cenário. É preciso dinamizar o mercado da guerra, testar armas, aviões, radares, bombas. Preparado o terreno, com a omnipresente CIA a mexer os cordelinhos da intriga e da sabotagem em todas as regiões do Globo, divulga a sua propaganda, encena a sua mentira. Arrebanha jornalistas sem honra, sem ética, esses que não têm uma gota de humanidade nas suas veias, esses para quem a única verdade é a que os patrões lhes ditam. O filme volta ser rodado. O espectáculo continua. O planeta inteiro é o seu pátio das traseiras. O seu reino será um planeta de cinzas, mas que importa, a culpa é da Natureza. De vitória em vitória, até à derrota universal. Há pouco tempo, no Afeganistão, as forças do "Bem", with god on their side, mataram nove crianças que num bosque apanhavam lenha. Por engano, I am sorry, disseram os assassinos do Pentágono e os seus acólitos. Para eles, para o "Império da Loucura", que interessam nove crianças ranhosas e mal vestidas? Não, não se trata de crime, não são os direitos humanos que estão em causa, sempre que o seu alvo é a soberania dos povos menores, aqueles que não não têm direito à sua religião, aos seus costumes, à sua cultura, mas têm invejáveis e cobiçadas matérias-primas. Quando a ganância é o estandarte supremo, não há morte, nada disso: são danos colaterais. Azares. E depois posam, todos sorridentes, para a fotografia e para as televisões que controlam. Quase todas. É como se fossem para uma grande festa. De mãos dadas, de peito inchado, manequins do terror, vestidos de Armani e companhia. Para a sua orgia de metralha e bombas. Outrora, era ouro, prata, pedras preciosas, tudo o que servisse para se tornarem grandes potências. Hoje chama-se, simplesmente, PETRÓLEO. O ouro do século XXI. O resto é poeira para os olhos, conversa para a rapaziada se entreter e para os politólogos (!) sacarem mais umas massas.

É isso, Chávez: asco, asco.

José Agostinho Baptista

21/03/11

Não é música



Não é música o que ouvimos.
Não é de água este brilho de prata.

Eu estou aqui sobre as pontes do rio.
Outros são os que espreitam pela bruma das margens.

Talvez me lembre:
tu vinhas devagar pelo lado das acácias.
Cingias cada árvore e as colunas, os braços de um
deus cruel, o saber dos templos.

Não é um salmo o que ouvimos.
Não é de harpas este lamento,
não é o ofício das mãos esculpindo um rosto,
não é a palavra de deus que ecoa nas escarpas.

Algures te ocultas e não deixas sinais.
Quem és tu
cujo perfil se desvanece, cuja doçura se perde nos
confins da tarde?

Eu estou aqui onde se unem as margens, onde escurecem
as sendas e as sombras,
onde correm as nuvens, as pedras, as águas.

Outros são os que te aguardam pelo lado das acácias.


José Agostinho Baptista

(... É bonito celebrar a poesia, essa entidade que se atropela em palavras que nascem no coração e, tantas vezes, se articulam num protesto, porque "a poesia é uma arma").

14/03/11

Eu tinha tudo!

Eu tinha tudo: umas mãos pequenas e às vezes uma sombra
no olhar. Era meu aquele ar velhamente abandonado nas ca-
sas mais baixas, baixando-se mais, abandonando-se. Eu ti-
ve tudo o que teve esse tempo: o verde sepultado no olhar, o
gesto de recolher prata em minha boca, um peixe que nada-
va nas minhas lágrimas até ao caule da chuva, um cansaço in-
findo e vermelho, uma enorme raiz onde as folhas da minha
pele iam buscar semanas, meses, para alimentar as fracções
de segundo do meu corpo.
Eu tinha tudo: a ternura que, como um copo, nunca se gasta-
va. O coração extenuado pela água, a face polida pelo amor.
Quantas vezes agarrei o som que rompia as cerejas? Quantos
dias curei as feridas do rosto de uma nuvem? Eu tinha tudo o
que a chuva me deu e me deu o sol. Conhecia as nascentes
das amoras e do vento. Era aí que eu semeava a lua, cobrindo-
-a de ervas. Quando voltava para a ver ela tinha crescido e já
aparecia atrás dos troncos escuros saídos do chão, parecen-
do uma moeda branca meio introduzida no mealheiro da ter-
ra. Aos poucos fui desgastando os olhos e a memória. Um dia
descobri que já não possuía coisa alguma e vi que as pessoas
corriam assustadas, como se acabassem de roubar-me tudo.

Joaquim Pessoa

09/03/11

Mulheres e Revolução - porque hoje é também dia da mulher!



Um poema de Maria Velho da Costa declamado soberbamente por Mário Viegas! Lindo!!!

08/03/11

Dia da MULHER, sim! (todos os dias)

Todos os anos a mesma discussão de café: que não faz sentido o dia da mulher, que já não se justifica e outros argumentos fastidiosos que depressa me ensombram o sorriso e me conduzem teimosa e convictamente ao mesmo: faz sentido, sim!, que haja um dia que, colectivamente, todos se mobilizem para a reflexão desta problemática. E vinco assim mesmo: problemática!, de solução distante, difícil, morosa, enredada de retrocessos e quezílias absurdas de sexos.
Repetirei em cada dia que viver que esta é uma luta necessária! A luta pela igualdade de direitos dos géneros, seja em que circunstância for, laboral, social, política, intelectual, humanitária, salarial...
O meu protesto estende-se a todo e qualquer mau-trato, seja ele visível e dimensionado socialmente e com repercussões jurídicas, ou velado, por situações ainda não puníveis por lei pela dificuldade ou impossibilidade de demonstração, como os abusos verbais e comportamentais, a humilhação, o destrato, o abandono, a deslealdade, a desconsideração (não raras vezes por "companheiros")... e meramente porque se é MULHER!

Reitero outra vez (sempre!) o meu tributo e gratidão:
- às mulheres que morreram queimadas em Nova Iorque por lutarem pelo justo lema "igual trabalho, igual salário". Eram usadas como fonte de produção e com salário inferior só porque eram mulheres. Volvidos mais de cem anos essa discrepância continua a ser factual ...
- às sufragistas, perseguidas e torturadas, por reivindicarem o direito à participação activa da mulher na sociedade, pela expressão dignificante de cidadania, que é o voto.
- às mulheres de São Petersburgo pela luta estóica que travaram - imagine-se porquê! - para resgatar o "pão e a paz".
- às três marias, em Portugal, pela sua obra feminista, pela sua determinação, pela sua persistência na luta para atribuição de dignidade a esta condição (de que me honro, confesso) de se ser Mulher.
- e a tantas outras anónimas que fazem do combate às mutilações genitais, à prostituição, ao esclavagismo sexual ou laboral, à pedofilia, à violência doméstica, à misoginia, ao abandono geriátrico, ao assédio sexual, aos assassínios em nome da cultura ou religião, e tantos outros maus-tratos a mulheres, a sua causa de vida, com sacrifícios inimagináveis, que incluem a própria vida !

A luta continua! Pela igualdade entre os Homens! Por um colectivo mais justo!

06/03/11

6 de março de 2011- 90 anos! - PARABÉNS :))

"Comemoramos o 90.º aniversário do PCP. Em luta, como é próprio de um partido que fez das suas nove décadas de existência um tempo de luta constante, travada em todas as circunstâncias e enfrentando todos os obstáculos – assim se afirmando como um caso ímpar no quadro partidário nacional.
Na verdade, com a fundação, em 6 de Março de 1921, do Partido Comunista Português – correspondendo a uma necessidade histórica da sociedade portuguesa – nascia um partido de novo tipo, com características específicas, diferente de todos os existentes à altura.
Diferente, desde logo, pelo seu objectivo supremo – a construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados, a sociedade socialista e comunista – e, por isso mesmo, diferente no assumir das exigências que tão ambicioso objectivo comporta.
Diferente, sempre, na prática e na postura em todos os momentos e situações – e de forma inequívoca quando, face à ordem salazarista de dissolução de todos os partidos políticos, foi o único a dizer «não» e a optar pela resistência ao fascismo, vindo a sagrar-se como o grande partido da resistência e da unidade antifascistas.
Diferente quando, no tempo novo de Abril, foi força motriz do processo revolucionário que, com as suas grandes conquistas, viria a transformar profunda e positivamente a realidade nacional.
Diferente – nestes 35 anos de contra-revolução – na sua postura face à política de direita: no seu empenho na mobilização para a luta pela ruptura e por um novo rumo para Portugal; na apresentação de propostas visando combater as consequências dessa política de desastre nacional nas condições de trabalho e de vida da imensa maioria dos portugueses; na sua intervenção em defesa da soberania e da independência nacionais; na luta por uma democracia avançada inspirada nos valores e nos ideais de Abril.
E se sublinhar esta diferença é sempre importante – mais ainda o é quando, como acontece actualmente, se desenvolve uma intensa operação visando a aceitação da ideia de que «os partidos são todos iguais», com isso se pretendendo ocultar a singularidade do PCP, o facto por demais evidente de ele ser, como os seus 90 anos de vida e de luta mostram, um partido diferente dos que são todos iguais.
Comemoramos o 90.º aniversário do PCP num tempo em que aos militantes comunistas se coloca um conjunto de importantes e incontornáveis tarefas, respeitantes quer à necessidade de dar resposta firme à política de direita e aos danos que provoca aos trabalhadores, ao povo e ao País; quer no que respeita à necessidade de reforço do Partido da classe operária e de todos os trabalhadores.
Num tempo, também, em que, como a experiência tem vindo a demonstrar, a luta organizada dos trabalhadores se apresenta como o único caminho para dar a volta a isto e para construir a mudança.
Às importantes e poderosas lutas dos últimos meses – das quais emerge como momento maior a histórica Greve Geral de 24 de Novembro, erguida por mais de três milhões de trabalhadores – há que dar a continuidade necessária, prosseguindo-as, intensificando-as e atraindo a elas novos segmentos das massas trabalhadoras, de modo a torná-las mais eficazes com vista à concretização dos objectivos desejados.
Nesse sentido, é fundamental fazer da jornada de luta de 19 de Março uma muito grande manifestação, fazendo desse dia o dia da indignação e do protesto, da convergência de todos os descontentamentos e insatisfações, da exigência de mudança e de um novo rumo para Portugal – uma muito grande manifestação que será possível com um intenso e amplo trabalho preparatório, esclarecendo e mobilizando os trabalhadores e as populações, demonstrando-lhes que, ao contrário do que dizem os propagandistas do grande capital, a luta não só vale a pena como é indispensável para travar o declínio e o afundamento do País.
E hoje, como ao longo dos últimos noventa anos, os militantes comunistas ocupam a primeira fila da luta – com isso marcando a diferença em relação a todos os outros partidos.
Comemoramos o 90.º aniversário do PCP no momento em que o nosso grande colectivo partidário leva por diante a importante acção «Avante! Por um PCP mais forte!», visando o reforço orgânico, interventivo e ideológico do Partido. Com a consciência de que quanto mais forte for o Partido, mais forte será a luta – da mesma forma que o reforço da luta conduz ao reforço do Partido.
E o Partido reforça-se juntando mais e mais militantes ao nosso grande colectivo partidário – designadamente jovens militantes; ampliando e tornando mais estreita a sua ligação às massas – reforçando as células já existentes nas empresas e locais de trabalho e criando-as ali onde elas não existem; assegurando a actividade dos organismos partidários, no quadro do seu funcionamento democrático e do trabalho colectivo; elevando a consciência política e ideológica dos militantes e dos quadros; dando continuidade à luta levada a cabo por sucessivas gerações de comunistas ao longo das últimas nove décadas e que, no momento actual, tem como objectivo primeiro pôr fim à política de direita e construir a alternativa, sempre tendo no horizonte o socialismo e o comunismo – enfim, afirmando e defendendo a identidade comunista do Partido, sua fonte de força essencial e sua marca distintiva.
Muitas são as razões para nos sentirmos orgulhosos por estes noventa anos de vida e de luta que agora comemoramos – e para assumirmos o compromisso de, honrando o exemplo das gerações de comunistas que nos antecederam, sermos seus dignos continuadores."

José Casanova, in Avante! de 3 de Março de 2011

04/03/11

O sítio mágico

Por que é que agora não existe um sítio mágico
como aqueles que eu tinha na infância? Serão eles
que não existem ou fui eu que os perdi? Ou será que o meu
olhar
já não entende de magia? Às vezes olho-me nos olhos
tentando desvendar-me, descobrir a verdade, mas sinto isso
tão idiota
como tentar comprar uma moeda
com outra absolutamente igual. Procuro ainda, mal esta vida
me vira as costas,
o erotismo de uma sombra num recanto afastado da luz,
a mistura de humildade e orgulho que me vem de uma
antiga relação com a terra,
a confirmação de que não me reconheço nem me aceito
fora de todos os sítios azuis, de privilégio. Procuro,
e é como se falasse aos sete anos a sós com a minha mãe,
depois de a desiludir: não posso ser tomado muito a sério.
Não sei até como reagirei se voltar a encontrar um sítio
assim,
depois de tanta falta de magia no mundo. Provavelmente,
de uma forma patética, como o judeu que em Dachau,
já sem lágrimas viu morrer ano após ano milhares de
crianças e homens e mulheres,
e não conteve o riso no dia em que foi libertado, quando
encontrou um funeral
onde centenas de pessoas choravam a morte de uma só.
Procuro ainda o sítio mágico e não sei se não acredito nele
ou se já não acredito em mim. Se a minha relação com o
mundo
é tão exposta como uma transmissão televisiva.
Procuro-o porque me sinto pontapear os horizontes
ou porque os horizontes estão tão fechados que embirram
com os meus pés.
Porque me sinto um amante cheio de lágrimas que não quer
deixar fugir o amor,
porque na minha memória não deixam de correr regatos que
hoje já não correm,
porque todos os dias, pontualmente, me sinto um saco
cheio de ofensas,
porque a língua que eu falo se debate como um peixe
náufrago,
porque os meus ombros suportam a noite e suportam o dia
e suportam a verdade do que eu digo,
porque me sinto carpinteiro e árvore ao mesmo tempo,
porque perto de mim e longe de mim há coisas que estão
para lá do meu alcance,
porque o tempo me recorda que a minha viagem está mais
próxima do fim,
porque vá para onde for não sinto minha nenhuma janela do
mundo,
porque estou cansado e quero respirar e o ar está cheio de
gritos,
porque há gente que eu amo nas minhas palavras tentando
libertar-se de mim,
porque me observo e me contradigo, porque tenho ainda
coragem para o espanto
e porque me falta o espanto, e me falta um sítio para o
espanto
e eu sei que para estar vivo terei de viver sem ele.


Joaquim Pessoa

28/02/11

Por Brecht:


Ah! Desgraçados!
Um irmão é maltratado e vocês olham para o outro lado?
Grita de dor o ferido e vocês ficam calados?
A violência faz a ronda e escolhe a vítima,
e vocês dizem: “a mim ela está poupando, vamos fingir que não estamos olhando”.
...Mas que cidade?
Que espécie de gente é essa?
Quando campeia em uma cidade a injustiça,
é necessário que alguém se levante.
Não havendo quem se levante,
é preferível que em um grande incêndio,
toda cidade desapareça,
antes que a noite desça

27/02/11

Ainda o Zeca...

Por Baptista Bastos:

Zeca Afonso morreu há 24 anos [23 de Fevereiro de 1987], com uma doença atroz: esclerose lateral amiotrófica.
Tinha 57 anos e manteve, até ao remate dos dias, aquele sorriso meio-cândido, meio-malicioso, que lhe conferia o ar de menino de sempre. Pouco tempo antes conversámos numa leitaria à entrada das Escadinhas do Duque, das duas ou três tertúlias da zona a que chamávamos o Triângulo das Bermudas. Não era um local de perdição, ao contrário do que a alcunha pode querer dizer. Mas os encontros poderiam levar-nos pela noite adiante.Os mesários dessas reuniões eram, entre muito outros, fixantes e passantes, Herberto Hélder, António José Forte, António Carmo, Aldina Costa, José Carlos González, Ricarte-Dácio de Sousa, Adriano de Carvalho, Serafim Ferreira, Teresa Roby, Luiz Pacheco, os actores Fernando Gusmão e António Assunção, e por aí fora. Olho para trás e reconheço que esses encontros são irrepetíveis, não só porque a morte já fez a sua ceifa como pelo facto de a atmosfera moral e afectuosa ser, agora, muito diferente. Frequentei aqueles grupos durante anos. O "Diário Popular" era ali perto e dava-me jeito ir à bebida e à conversa com amigos, alguns dos quais (o Herberto, por exemplo) vinham dos bulícios da adolescência. O Zeca Afonso não era habitual; mas, naquele fim de tarde, sentou-se para conversar sonhos e esperanças tão antigos como o homem. "Estou a morrer devagarinho", disse-me. E a voz era como se viesse do fundo do corpo. A frase impressionou-me pela coragem. Ele sabia que estava condenado e talvez quisesse dizer-me que o sabia. Falou, logo a seguir, de outras coisas. Olhava para este homem novo, atingido por uma doença medonha, e recordava a generosidade limpa e aberta de alguém que dera tudo a todos e oferecera à Revolução o seu hino definitivo. O Viriato Teles, grande jornalista que os senhores dos jornais têm laminado mas não destruído, escreveu, sobre o amigo e companheiro, páginas definitivas, e conhece, como ninguém, a dimensão da grandeza de uma pessoa rara. Mas o País ainda não homenageou o poeta admirável e o cantor de palavras claras que esteve sempre com as causas justas, as batalhas necessárias e as urgências que a História exigia. Melhor do que nós, fazem-no os galegos, para os quais José Afonso é um marco e um símbolo da dignidade e da probidade humanas. Os textos de "intervenção" que escreveu pertencem à mais rigorosa selecta da lírica portuguesa. Provêm, directamente, das fontes medievais e da tradição de combate e crítica da grande poesia. Zeca Afonso não facilitava a interpretação dos seus poemas. A diversidade de leituras que propõem sugeriu muitos estudos no estrangeiro e o respeito de duas ou três gerações que ele distinguiu com a lição de um desprendimento total. Comparar a obra do poeta às "cançonetas" "dos" Deolinda, como por aí se tenta, é um ultraje e uma demonstrada ignorância. Mas estas comparações não são ingénuas. Fazem parte do arsenal de apoucamento do Zeca, que um sector da vida portuguesa deseja, há muito promover. É desnecessário. A força, a qualidade do imenso trabalho criador do autor de "Traz outro amigo também" não sofre paralelismo com outro qualquer. O que não passa de uma funçanata divertida e trôpega dificilmente poderá ser levada a sério e entendida como "intervenção social e ideológica." As comparações são propositadamente estabelecidas (inclusive por alguma Imprensa desprezível) para fomentar a confusão e enganar tolos. A estratégia não é nova. Ainda há quem não perdoe a Zeca Afonso a magnitude do seu talento e o cariz de uma arte que sempre recusou o panfleto sem desprezar a intenção de revolta. No dia 23 de Fevereiro completaram-se 24 anos sobre a data da morte de um grande poeta português. É muito bom que, sob outras roupagens, a sua música e as suas palavras sejam cantadas pelo pessoal mais novo e ouvidas por todos aqueles que possuem da arte um conceito diferente porque superior. Quanto a mim, que fui amigo deste português incomum, deste artista sem paralelo, recordo-o com emoção, encantamento e orgulho. Ele faz parte do nosso comum património moral, ética e estético.

23/02/11

Zeca Afonso - Vejam Bem



Hoje, em especial, é um dia para lembrar o Zeca...

21/02/11

Miguel Hernandez- Elegia / J.M. Serrat



Para o José, que perdeu um amigo. ..
:(

16/02/11

Pensar em ti

Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluir de tinta espessa e farta
e ...o passá-la em finíssima aguada
com um pincel de marta.
Um pesar grãos de nada em mínima balança,
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.
Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir.
Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.


António Gedeão

14/02/11

A minha avó

Tive uma avozinha. É vaidade dizer que era a sua neta dilecta, mas não coro perante o orgulho que ainda sinto nesse facto. Era tão velhinha já quando as primeiras memórias do seu rosto despontaram em mim. Mas vigorosa, de andar apressado, sorriso rasgado e iluminado (era lindo o sorriso da minha avó, e tantas vezes confortou a solidão das minhas tardes!) e um olhar tão cândido que se escondia nuns olhos já encovados e tão pequeninos. Foi ela quem melhor me embalou a infância, sobretudo quando se sentava no chão ao meu lado a costurar vestidos para as minhas bonecas de trapos, que ela mesma fazia. Por vezes cantava-me, numa voz rouca e sem vibração, e no entanto alvoroçava ao rubro o enorme afecto que eu lhe tinha. Vertia tanta ternura, a minha avó !...
Gostava de me ensinar e , por ser ela, empenhava tanta atenção ao que me dizia que , ainda hoje, tenho o travo do arroz da minha avó e o alinhavo certo na roda das calças.
Tantas vezes rebuscava o seu passado de pobreza e tristeza, da lavoura que os seus pais lhe impuseram desde cedo, do casamento tardio que lhe fora imposto, dos filhos que lhe morriam à mão de um destino maldito, da viuvez precoce que a desamparou, do trabalho de toda uma vida que penhorou para fitar o futuro dos filhos. E se por vezes lhe pressentia nostalgia, ela dissipava-a logo com aquele sorriso tão franco e resoluto quando, ansiosa, lhe perguntava: "Avó... está triste?".

Outras vezes remexia no tempo em que cedo se lançava pelas serras rugosas da ilha para ordenhar a vaca e as cabras, pela manhã, e eu desvairava de alegria quando os personagens das suas histórias eram os animais: " Conte mais , avó!" e ela, motivada e feliz, lá me engrandecia o cão que a seguia pela madrugada até aos palheiros longínquos da sua infância.

Às vezes lia-lhe poemas e ela não os entendia, mas sorria muito e no fim compensava-me com um "Sabes ler bem...", e dizia-mo tão simplesmente que ainda hoje sinto a força de tamanha ternura. Um dia quis ensinar-lhe a escrever o seu nome e lembro-me de ter insistido repetidas vezes, guiando-lhe a mão com a minha (ah, a mão tão fina e pequenina da minha avó!) e rabiscando tantas vezes no papel: " Ge-or-gi-na" . Não conseguiu autonomia para o escrever sózinha, mas um dia pediu-me o lápis de carvão e desenhou-me um arado. Queria que eu soubesse como era o instrumento com que sulcara a terra, o mesmo que também lhe lavrara a vida.


Quando parti, anos depois, desgostei-a. Fez da minha ida um lamento sem consolo, mas em cada retorno meu partilhávamos os lanches no café da cidade, noutras tardes tão luzentes que lembravam outros tempos. Num desses regressos encontrei-a acamada e o seu olhar fulminou-me pela inexistência de um qualquer resquício da expressão branda e sensível de outrora. " A avó já não tem memória, não te reconhece", diziam-me. Era um corpo sem tempo, sem vigor... Mas nesse momento, foi tanto o meu pranto pela partida daquela que tanto me amara , que a minha convulsão despertou-a do torpor por um instante tão breve, que se tornou eterno: "Estás a chorar, Sílvia?"- e sorriu-me por uma última vez, sem que eu lhe conseguisse responder, e não disse mais nada!


Não voltei a vê-la e pouco tempo depois morreu, em casa, cuidada por filhos, noras e netos.

Quando oiço estas notícias de abandono de idosos, que nos últimos dias têm preenchido o nosso painel noticioso, indigno-me com a frieza e a indiferença que acometeu a nossa sociedade. Ostracizar assim os mais velhos, degredá-los ao abandono e maus-tratos são reflexo da podridão de um sistema que ostenta tudo menos a dignidade. Curiosamente, é nos países ditos de primeiro mundo, que os velhos deixam de servir e se tornam um fardo que urge descartar. Não me deveria surpreender, afinal é o fruto do apregoado capitalismo que, entre outras coisas, enaltece o novo enquanto fonte de rendimento facilmente moldável e rentável....e, quando velhos, descartável.
Que revolta!

13/02/11

Poema

A maior das maravilhas é viver
mas não me empurrem para a vida
sem que eu queira. Não me dispam,
não me vistam, não me lavem sem
que me apeteça. E não dêem números
às almas, às coisas que são mais importantes,
não atribuam um número à esperança,
outro à minha angústia e outro à liberdade,
ou um só número para tudo o que sou
e para tudo o que sinto. Um número
tatuado na pele humana da notável
condição de ser pensante. Não afoguem
a água. Não aqueçam o sol. A maior
das melhores maravilhas é viver
sem profissionais do empurrão. Os que esperam
lucrar alguma coisa com a queda, chegar-se
à frente no gabinete das soluções precárias.
Não quero que me convidem nem me impeçam
de viver como gosto, como quero, como espero,
ou de outra forma qualquer. Não se ponham
na minha frente, nem me empurrem.
Deixem-me caminhar como eu quiser,
se eu quiser. Deixem-me pensar como eu
quiser, se eu quiser. Deixem-me, apenas.
Não me segurem. Quero escolher.
Quero ser o que bem me apetecer!
Formidável, amável, doente, diferente
ou indiferente. Permitam-me que escolha,
que faça apenas o que me der na bolha,
que diga porra!, basta!, vão-se embora!
e deixem-me ficar. Quero permanecer
caído, traído, vencido, emparedado,
ou sacudir de vez a água das traições
e ferrar o dente na mentira, gritar se fôr
preciso. Mas fazer doer quando morder.
Não me toquem, não me abracem, não me finjam
sentimentos. Há momentos que não posso suportar.
Deixem-me ser como o mar, como o deserto:
ser perto ao longe e longe ao perto. Ou ser,
apenas ser. O que eu for capaz, afinal, o que eu
quiser, porque quero, porque posso, porque
de nada serve querer mudar-me. Não me toquem
como se eu fosse uma bola de cristal, uma
cobra, uma barata, uma coisa, um animal.
Deixem-me estar sozinho. Assim, sozinho,
tão sozinho que não precise de ninguém,
muito menos de quem se sente no direito
de empurrar. Ou impedir. Não me façam
um dos vossos, um previsível, um sensível
à rotina das esperadas pulsações. Não quero
dar, nem quero que me dêem soluções. Nem
sequer convosco conversar ou fazer parte
seja do que for. Retirem-se. Retirem-me
a vergonha de me estar a transformar
no que é pior que tudo e eu não mereço:
no número 103 420 894. Por favor,
é isso, só isso, que vos peço.

Joaquim Pessoa