29/11/10

Vou ali e já venho

Mas deixo-vos com a Sra. Gata que - creiam-me - é uma grande companhia!:))

28/11/10

Devem-me dinheiro!

Por Mário Crespo:

José Sócrates em 2001 prometeu que não ia aumentar os impostos. E aumentou. Deve-me dinheiro. António Mexia da EDP comprou uma sinecura para Manuel Pinho em Nova Iorque. Deve-me o dinheiro da sinecura de Pinho. E dos três milhões de bónus que recebeu. E da taxa da RTP na conta da luz. Deve-me a mim e a Francisco C. que perdeu este mês um dos quatro empregos de uma loja de ferragens na Ajuda onde eu ia e que fechou. E perderam-se quatro empregos. Por causa dos bónus de Mexia. E da sinecura de Pinho. E das taxas da RTP. Aníbal Cavaco Silva e a família devem-me dinheiro. Pelas acções da SLN que tiveram um lucro pago pelo BPN de 147,5 %. Num ano. Manuel Dias Loureiro deve-me dinheiro. Porque comprou por milhões coisas que desapareceram na SLN e o BPN pagou depois. E eu pago pelo BPN agora. Logo, eu pago as compras de Dias Loureiro. E pago pelos 147,5 das acções dos Silva. Cavaco Silva deve-me muito dinheiro. Por ter acabado com a minha frota pesqueira em Peniche e Sesimbra e Lagos e Tavira e Viana do Castelo. Antes, à noite, viam-se milhares de luzes de traineiras. Agora, no escuro, eu como a Pescanova que chega de Vigo. Por isso Cavaco deve-me mais robalos do que Godinho alguma vez deu a Vara. Deve-me por ter vendido a ponte que Salazar me deixou e que eu agora pago à Mota Engil. António Guterres deve-me dinheiro porque vendeu a EDP. E agora a EDP compra cursos em Nova Iorque para Manuel Pinho. E cobra a electricidade mais cara da Europa. Porque inclui a taxa da RTP para os ordenados e bónus da RTP. E para o bónus de Mexia. A PT deve-me dinheiro. Porque não paga impostos sobre tudo o que ganha. E eu pago. Eu e a D. Isabel que vive na Cova da Moura e limpa três escritórios pelo mínimo dos ordenados. E paga Impostos sobre tudo o que ganha. E ficou sem abonos de família. E a PT não paga os impostos que deve e tenta comprar a estação de TV que diz mal do Primeiro-ministro. Rui Pedro Soares da PT deve-me o dinheiro que usou para pagar a Figo o ménage com Sócrates nas eleições. E o que gastou a comprar a TVI. Mário Lino deve-me pelos lixos e robalos de Godinho. E pelo que pagou pelos estudos de aeroportos onde não se vai voar. E de comboios em que não se vai andar. E pelas pontes que projectou e que nunca ligarão nada. Teixeira dos Santos deve-me dinheiro porque em 2008 me disse que as contas do Estado estavam sãs. E estavam doentes. Muito. E não há cura para as contas deste Estado. Os jornalistas que têm casas da Câmara devem-me o dinheiro das rendas. E os arquitectos também. E os médicos e todos aqueles que deviam pagar rendas e prestações e vivem em casas da Câmara, devem-me dinheiro. Os que construíram dez estádios de futebol devem-me o custo de dez estádios de futebol. Os que não trabalham porque não querem e recebem subsídios porque querem, devem-me dinheiro. Devem-me tanto como os que não pagam renda de casa e deviam pagar. Jornalistas, médicos, economistas, advogados e arquitectos deviam ter vergonha na cara e pagar rendas de casa. Porque o resto do país paga. E eles não pagam. E não têm vergonha de me dever dinheiro. Nem eles nem Pedro Silva Pereira que deve dinheiro à natureza pela alteração da Zona de Protecção Especial de Alcochete. Porque o Freeport foi feito à custa de robalos e matou flamingos. E agora para pagar o que devem aos flamingos e ao país vão vendendo Portugal aos chineses. Mas eles não nos dão robalos suficientes apesar de nos termos esquecido de Tien Amen e da Birmânia e do Prémio Nobel e do Google censurado. Apesar de censurarmos, também, a manifestação da Amnistia, não nos dão robalos. Ensinam-nos a pescar dando-nos dinheiro a conta gotas para ir a uma loja chinesa comprar canas de pesca e isco de plástico e tentar a sorte com tainhas. À borda do Tejo. Mas pesca-se pouca tainha porque o Tejo vem sujo. De Alcochete. Por isso devem-me dinheiro. A mim e aos 600 mil que ficaram desempregados e aos 600 mil que ainda vão ficar sem trabalho. E à D. Isabel que vai a esta hora da noite ou do dia na limpeza de mais um escritório. Normalmente limpa três. E duas vezes por semana vai ao Banco Alimentar. E se está perto vai a um refeitório das Misericórdias. À Sexta come muito. Porque Sábado e Domingo estão fechados. E quando está doente vai para o centro de saúde às 4 da manhã. E limpa menos um escritório. E nessa altura ganha menos que o ordenado mínimo. Por isso devem-nos muito dinheiro. E não adianta contratar o Cobrador do Fraque. Eles não têm vergonha nenhuma. Vai ser preciso mais para pagarem. Muito mais. Já.

26/11/10

Uns vão bem e outros mal



E os que vivem bem, são uma minoria de "opressores à custa dos trabalhadores".
" E assim se tem feito Portugal"...

Curiosidades


Dizia hoje um amigo, pelo facebook, ilustrando a imagem acima:
"On my walk this morning in the Karoo I came across this small red velvety insect which was absolutely gorgeous. Does anyone know what it is called?".

Mesmo sem gostar de insectos, o que assumo vergonhosamente, pois de mim seria de esperar que estendesse o meu entusiasmo e protecção a todos os bichos do Universo, e embora com honrosas excepções para as borboletas, gafanhotos e abelhas que povoaram amistosamente a minha infância, muito consubstanciadas pelos desenhos animados da época, não pude deixar de me surpreender com a beleza deste insecto.
E como a curiosidade me incomodou e o interesse se interpôs, lembrei-me do amigo Mário do blogue Trepadeira que, porventura poderia saber de que insecto se tratava.:))

Adenda ( a solução do enigma veio por uma amiga do meu amigo):

"Dinothrombium tinctorium".

Adenda 2 (fui procurar os nomes na net e encontrei outra foto e mais informação aqui):

" These small "Red Velvet Mites" or "Dinothrombium tinctorium", always appear seemingly from nowhere just after a good rain shower in the Kalahari. It looks like little brilliant red spots on the sand and form part of the region's rain-outfit. They don't stay long and burrow into the soft wet soil before it harden again. They are harmless to man and feed on other mites and their eggs. Our children love to run around after rain, competing at who sees the most of these "rain bugs"! "

25/11/10

Saudades


Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca

23/11/10

ESTE BLOGUE ESTÁ EM GREVE !

20/11/10

Conversas de café e doutros lugares

O dia da greve está mais próximo e as opiniões repartem-se e acendem-se em discussões em torno da mesma. E isto é bom, mesmo quando as divergências se inconciliam. Mau, é quando se depara com a indiferença e a apatia de uma grande fatia da população, perante o estado de justiça social actual.
Por vezes respondem-me: " Eles é que mandam, que vamos fazer?!". Descrever a inquietação que estas palavras me provocam não é fácil, eu própria emudeço, atónita, indignada e estupefacta!, com a resignação simplista e inadmissível de algumas pessoas. Por vezes consigo retorquir: "Mas é o povo que os elege, é o povo quem manda, portanto!".
Outra frase que corre pelo rebuliço dos cafés, é " Fazer greve para quê?! Fica tudo na mesma". Afigura-se difícil insistir que é pela luta que vamos, que no passado homens e mulheres, por pensarem contrariamente, vingaram nas suas causas, que vieram a beneficiar gerações, a conferir direitos, outrora incalculáveis, à humanidade!

Ontem ia na rua e face à propaganda da CGTP, num carro que circulava, ripostava um empregado de uma loja, que estava à porta: "São vocês que me vão pagar o salário, não?!". Aí não me contive e atirei-lhe: " E você é justamente pago pelo seu patrão?!". Respondeu-me uma sua colega, que estava ao seu lado, encolhendo os ombros: " Ah, sabe como é... patrões...". Sei sim. E por saber é que não me conformo, não me acomodo. Por saber, é que me insurjo contra a exploração de milhares de trabalhadores, contra a subtracção de salários e direitos sociais conquistados por outras gerações, tantas vezes, à custa da sua própria vida!

Nenhuma conquista se fez num ímpeto, resulta sempre de um sonho que se transfigura em batalhas, persistência e convicções. Por vezes demora, entre avanços e recuos. A greve do próximo dia 24 é uma , entre tantas reivindicações possíveis que virão (terão de vir!) contra a política vigente que atira a cada dia milhares de pessoa para o desemprego e empedernidamente avulta a miséria e a fome entre famílias.

Que futuro queremos nós assegurar para as gerações vindouras, se não lutarmos pela reversão destes crimes ?!

O silêncio, a indiferença, como alguém já o proferiu, é tão criminoso quanto o crime em si. E, para mim, é a pior expressão da covardia.


E por tudo isto, VALE A PENA LUTAR, sim!

16/11/10

Louvor do Revolucionário


Entre tantos afazeres e trabalho, a determinação continua e a vontade de lutar mantém-se intacta.
Dia 24, que ninguém se sinta desencorajado ou intimidado a mostrar o seu descontamento pelas medidas anti-socias e ultrajantes deste governo!
Brecht sabia!


Quando a opressão aumenta
Muitos se desencorajam
Mas a coragem dele cresce.
Ele organiza a luta
Pelo tostão do salário, pela água do chá
E pelo poder no Estado.
Pergunta à propriedade:
Donde vens tu?
Pergunta às opiniões:
A quem aproveitais?

Onde quer que todos calem
Ali falará ele
E onde reina a opressão e se fala do Destino
Ele nomeará os nomes.

Onde se senta à mesa
Senta-se a insatisfação à mesa
A comida estraga-se
E reconhece-se que o quarto é acanhado.

Pra onde quer que o expulsem, para lá
Vai a revolta, e donde é escorraçado
Fica ainda lá o desassossego.

Bertold Brecht

12/11/10

Ainda não dissemos tudo


A serpente persegue a sombra da águia
até ao lugar onde é mais profunda a raiz da água.
Porque escondes o teu livro
quando folheias o coração?
Em que lugar amadurecem cachos de surpresa
durante a ausência dos teus dedos?
Esta manhã é soberba
de sonhos e de cães.
Espero por ti depois das horas da ternura
para mais ternura ainda.
Espero por ti depois do amor
para fazermos mais amor.
Façamos café, depois do fogo.
Temos, dos outros, as nossas mãos.
Herdámos a vida de mulheres e de homens antes de nós
e a outros homens e a outras mulheres não deixaremos
o vento como herança.
O que vês na água?
Com quê construíste a tua casa?
Em que manhã fizeste perguntas ao teu filho?
A serpente continua perseguindo
a sombra da águia.
De quem é o objecto que deténs na tua mão?
Porque cresce a tristeza nos teus ombros?
Esse rio que passa à tua porta e chama por ti
é um rio de sangue
com um caudal de corpos inocentes.
As suas margens são agrestes mas a tua infelicidade
não deixa que lhes descubras os punhais.
Há em ti o mesmo rio.
Não poderás dar um passo, longe ou perto,
sem que firas a tua carne
ou magoes mais os ossos já antes magoados.
Tu tens as tuas próprias margens.
Por favor, destrói as tuas margens.
Acende uma fogueira para que dentro dos teus olhos
possas sentar-te comigo em redor do fogo.
A lua calou-se. Está morta.
Morreram com ela metade dos poetas
e a nova poesia será escrita pelos que sobreviveram.
Verás passar pela tua noite
os mais humildes, os mais sacrificados, aqueles que,
conhecendo o medo, não aceitam as privações e a
miséria.
Não poderás voltar-te para o lado e adormecer.
Não deves voltar-te para o lado e tentar esquecer.
Há quanto tempo não escutas a tua fala?
Que espécie de claridade encomendaste para as tuas
janelas?
Hoje não é o último dia?
Corre agora a serpente
sobre a sombra da águia.
Para lá da tua bebida
morrem povos com sede.
Há milhares de crianças mortas
nos restos das tuas refeições.
Ajudas a assassinar rios, pássaros, e muitos dos teus
irmãos,
com um simples encolher de ombros.
Constroem-se toneladas de bombas na tua indiferença.
Envenenam-se oceanos para teu conforto.
Por toda a parte se polui o ar de vales e montanhas
para fabricar a tua asfixia.
De onde retirarás mais diamantes? Da boca dos
cadáveres?
Em que morte
deixarás apodrecer a tua vida?
A serpente desafia
a sombra da águia.
A nossa manhã continua soberba
de sonhos e de cães.
Façamos café, depois do fogo.
E conversemos. Ainda não
dissemos tudo.

Joaquim Pessoa
in Inéditos, 125 POEMAS
Litexa Editora, 3ª ed. 2002.


11/11/10

Obrigada, Joaquim Pessoa

Mais poesia de "amor-combate" de Joaquim Pessoa:

Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado
pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem
dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.

Joaquim Pessoa

(Do livro a publicar, ANO COMUM)

09/11/10

A ti -II

Necessito de mim mais do que de ninguém.
Mas mentiria se não te confessasse o quanto preciso de ti.
Tu és o meu vinho e a minha ressaca. A minha árvore
e a minha floresta.
O meu cavalo. A minha casa, o meu mar, o meu coral.
A minha teimosia e a minha lucidez.
O meu pássaro de chuva e o meu pássaro de fogo.
A minha distância, o meu abismo, a minha fuga.
A minha sombra e o meu túnel. O atalho para o outro lado de
mim.

Tu és a minha estrela e o meu guia.
A minha porta, o meu clarão, a minha injúria.
O meu grão, o meu vento, o meu moinho.
O meu sortilégio. O fim da festa e o meio-dia.
O meu carnaval, o meu brinquedo, o meu dia santo.
O meu pecado, a minha penitência.
O ouro, a ofensa, o desvario.
És o meu hábito e o meu monge. A minha estrela e o meu pão.
A minha irmã branca, a minha irmã negra, a minha irmã de
novas latitudes.
Tu és
(...), o meu combate, o meu sorriso.
Tu és o meu cálice. O meu elixir e o meu veneno. O vinho
que dá coragem às medusas.
Necessito de ti mais do que de ninguém. Mas
mentiria se não te confessasse o quanto
preciso de mim.

(Do livro a publicar, ANO COMUM)

Joaquim Pessoa

05/11/10

José Mário Branco - FMI

É comovente ( e arrepiante) esta interpretação do José Mário Branco, assente num texto e mensagem sempre presentes, sempre actuais....

Zeca Afonso - O Que Faz Falta!!!

03/11/10

Os tristes dias do nosso infortúnio

Por Baptista Bastos, no Jornal de negócios, no dia 29 de outubro de 2010:

Na terça-feira, 26 de Outubro, p.p., assistimos, estupefactos, a um espectáculo deprimente.
O dr. Cavaco consumiu vinte minutos, no Centro Cultural de Belém, a esclarecer os portugueses que não havia português como ele. Os portugueses, diminuídos com a presunção e esmagados pela soberba, escutaram a criatura de olhos arregalados. Elogio em boca própria é vitupério, mas o dr. Cavaco ignora essa verdade axiomática, como, aliás, ignora um número quase infindável de coisas.

O discurso, além de tolo, era um arrazoado de banalidades, redigido num idioma de eguariço. São conhecidas as amargas dificuldades que aquele senhor demonstra em expressar-se com exactidão. Mas, desta vez, o assunto atingiu as raias da nossa indignação. Segundo ele de si próprio diz, tem sido um estadista exemplar, repleto de êxitos políticos e de realizações ímpares. E acrescentou que, moralmente, é inatacável.

O passado dele não o recomenda. Infelizmente. Foi um dos piores primeiros-ministros, depois do 25 de Abril. Recebeu, de Bruxelas, oceanos de dinheiro e esbanjou-os nas futilidades de regime que, habitualmente, são para "encher o olho" e cuja utilidade é duvidosa. Preferiu o betão ao desenvolvimento harmonioso do nosso estrato educacional; desprezou a memória colectiva como projecto ideológico, nisso associando-se ao ideário da senhora Tatcher e do senhor Regan; incentivou, desbragadamente, o culto da juventude pela juventude, característica das doutrinas fascistas; crispou a sociedade portuguesa com uma cultura de espeque e atrabiliária e, não o esqueçamos nunca, recusou a pensão de sangue à viúva de Salgueiro Maia, um dos mais abnegados heróis de Abril, atribuindo outras a agentes da PIDE, "por serviços relevantes à pátria." A lista de anomalias é medonha.

Como Presidente é um homem indeciso, cheio de fragilidades e de ressentimentos, com a ausência de grandeza exigida pela função. O caso, sinistro, das "escutas a Belém" é um dos episódios mais vis da história da II República. Sobre o caso escrevi, no Negócios, o que tinha de escrever. Mas não esqueço o manobrismo nem a desvergonha, minimizados por uma Imprensa minada por simpatizantes de jornalismos e por estipendiados inquietantes. Em qualquer país do mundo, seriamente democrático, o dr. Cavaco teria sido corrido a sete pés.

O lastro de opróbrio, de fiasco e de humilhação que tem deixado atrás de si, chega para acreditar que as forças que o sustentam, a manipulação a que os cidadãos têm sido sujeitos, é da ordem da mancha histórica. E os panegíricos que lhe tecem são ultrajantes para aqueles que o antecederam em Belém e ferem a nossa elementar decência.

É este homem de poucas qualidades que, no Centro Cultural de Belém, teve o descoco de se apresentar como símbolo de virtudes e sinónimo de impolutabilidade. É este homem, que as circunstâncias determinadas pelas torções da História alisaram um caminho sem pedras e empurraram para um destino que não merece - é este homem sem jeito de estar com as mãos, de sorriso hediondo e de embaraços múltiplos, que quer, pela segunda vez, ser Presidente da nossa República. Triste República, nas mãos de gente que a não ama, que a não desenvolve, que a não resguarda e a não protege!

Estamos a assistir ao fim de muitas esperanças, de muitos sonhos acalentados, e à traição imposta a gerações de homens e de mulheres. É gente deste jaez e estilo que corrói os alicerces intelectuais, políticos e morais de uma democracia que, cada vez mais, existe, apenas, na superfície. O estado a que chegámos é, substancialmente, da responsabilidade deste cavalheiro e de outros como ele.

Como é possível que, estando o País de pantanas, o homem que se apresenta como candidato ao mais alto emprego do Estado, não tenha, nem agora nem antes, actuado com o poder de que dispõe? Como é possível? Há outros problemas que se põem: foi o dr. Cavaco que escreveu o discurso? Se foi, a sua conhecida mediocridade pode ser atenuante. Se não foi, há alguém, em Belém, que o quer tramar.

Um amigo meu, fundador de PSD, antigo companheiro de Sá Carneiro e leitor omnívoro de literatura de todos os géneros e projecções, que me dizia: "Como é que você quer que isto se endireite se o dr. Cavaco e a maioria dos políticos no activo diz 'competividade' em vez de 'competitividade' e julga que o Padre António Vieira é um pároco de qualquer igreja?"

Pessoalmente, não quero nada. Mas desejava, ardentemente desejava, ter um Presidente da República que, pelo menos, soubesse quantos cantos tem "Os Lusíadas."