31/03/10

PEC e Orçamento



Tão actual e a propósito, este soneto de 1969 do José Régio:

Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é publicado.

Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.

E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,

Também faz o pequeno "sacrifício"
De trinta contos - só! - por seu ofício
Receber, a bem dele... e da nação.

JOSÉ RÉGIO

29/03/10

Partilha

Porque gosto de partilhar o que gosto:

27/03/10

27 de Março



MENSAGEM DE DAME JUDI DENCH do Dia Mundial do Teatro 2010

O Dia Mundial do Teatro é para nós a oportunidade de celebrar o Teatro em todas as suas formas. O teatro é uma fonte de entretenimento e de inspiração e tem a capacidade de unificar as muitas culturas e povos diferentes que existem em todo o mundo. Mas o teatro é mais do que isso, oferece-nos também a oportunidade de educar e informar.

O teatro realiza-se em todo o mundo, e não apenas nos seus tradicionais palcos e cenários: os espetáculos podem acontecer numa pequena aldeia da África, no sopé de uma montanha na Arménia, numa pequena ilha do Pacífico. Ele não tem necessidade de um espaço e de um público. O teatro possui esse dom de nos fazer rir, de nos fazer chorar, mas ele deve, também, fazer-nos refletir e reagir.

O teatro é fruto de um trabalho de equipe. São os actores que vemos, mas existe um conjunto incrível de pessoas que não vemos, todas elas tão importantes quanto os actores e cujas diferentes e específicas competências permitem a realização do espetáculo. A eles se deve uma parte de todo o triunfo ou sucesso alcançado.

O dia 27 de março é sempre a data oficial do Dia Mundial do Teatro. Mas cada dia deveria poder ser considerado, de diversas maneiras, como um dia do teatro, pois cabe-nos a responsabilidade de perpetuar esta tradição de entreter, educar e esclarecer o nosso público, sem o qual não poderíamos existir.

SER SAGE (a propósito do Al-Andalus)

Dessedenta em golpes redobrados teu coração:
muito doente se curou assim
e lança-te sobre a vida como sobre uma presa
porque a sua duração é efémera.

Mesmo que a tua vida durasse mil anos bem cheios,
não seria exacto dizer que era longa.

Acaso te deixarás conduzir pela tristeza até à morte
enquanto o alaúde e o vinho fresco
estão aí à tua espera?

Que as preocupações não se tornem senhoras de ti à viva força
enquanto a taça for uma espada cintilante na tua mão.

Conduzir-se como sage é deixar-se assaltar
pelas preocupações até ao mais fundo de si mesmo:
ser sage para mim é não ser sage.

(La poésie andaluse en arabe classique, tradução francesa de Henri Pérès, p. 361)

24/03/10

José Mário Branco canta Natália Correia



Se me pedirem para eleger "uma canção" , será esta!

22/03/10

19/03/10

VIAGEM ATRAVÉS DE CATARINA


Não quiseste ser valente
não quiseste o amor do perigo
que tanta gente
conquista
- quiseste apenas estar de bem contigo
ser comunista.

E não quiseste a aventura
o gesto da eterna face
de Graça pura vestido
- quiseste apenas estar onde mandasse
o teu Partido.

Novas searas aqui
se levantaram.

Nós falamos de ti porque não te mataram.


Mário Castrim

Poema para uma mulher que foi um dos maiores ícones da nossa história de luta pela Liberdade, Igualdade e Democracia.

15/03/10

José


Este é um poema de tributo e afecto do José Agostinho Baptista, ao seu companheiro e amigo cão-josé.
Na verdade, um sr. cão, com 13 anos...


Vi, no teu rosto de cão,
o amor que pouco vi no rosto dos homens.
Às vezes,
a meio das noites,
a meio da extrema solidão da minha vida,
era como se tivessem descido à terra
quatro astros emudecidos,
e então,
como silenciosas gotas nascidas no céu,
caíam duas lágrimas dos teus olhos,
da sua bondade,
do seu assombro,
e ali, debaixo das luas que iluminam o mundo,
tu adormecias,
sem qualquer rumor nas pálpebras e na cauda,
como se ouvisses junto aos altares pagãos,
as canções de uma alma doente,
na primavera dos cães.

14/03/10

Passam os dias


Num tempo frenético que passa a correr, eis por fim um bocadinho arrancado a este "chorrilho" de afazeres para o dedicar a uma das minhas "causas" : a Poesia.
Ondas de espesso óleo são meus dias:
passam tão lentamente que não passam.
os homens a meu lado olham, passam,
lentos também como os lentos dias.
O futuro está aí, cheio de dias,
mas é um duro charco; por ali passam
lentas sombras de sonhos quando passam...
Nocturnos céus cobrem-me os dias.
Aprendi, ensinaram-me os que passam
que sempre passam, passarão os dias,
ainda que pareça às vezes que não passam.
Soube além disso que a bordo dos meus dias
também eu passarei com os que passam,
cinza na cinza dos dias.
Nicolás Guillén

07/03/10

Mulher em Liberdade

Oiço, em cada ano, a contestação pela existência deste dia - o Dia Internacional da Mulher. Em franqueza , também não sou defensora da marcação de dias para assinalar tanta coisa, incute uma certa obrigatoriedade restritiva de comemorações, pouca reflexão e sobretudo, quase sempre, nenhuma resolução. O dia de hoje tomo-o como excepcional, e assumo que talvez não me seja contrário o facto de eu mesma ser mulher. Este dia reveste-se como um grito, como um apelo, a uma maior dignificação da mulher. E mesmo aqui tão perto, na sociedade ocidental que se vangloria por democracias promotoras da igualdade dos géneros, assiste-se a um fosso desigual que se traduz- ainda - por salários inferiores, por menor valorização profissional, por preterição na selecção para alguns postos de trabalho. Lembro-me, inclusive, de um dia me terem dito de forma informal e descaradamente afável, quando trabalhava a contrato numa multinacional, que não me poderiam renovar o contrato até perfazer o tempo legal para efectivação porque ... era mulher! "As mulheres têm licenças de maternidade, não têm tanta disponibilidade para viagens, para se embrenhar no trabalho..."- foi mais ou menos o que me justificaram. E isto aconteceu há poucos anos, e se tivermos em conta que nasci por altura de ABRIL, a indignação acresce, pois esta, era suposta ser a altura em que as igualdades (todas elas...) já deveriam estar consolidadas...
Depois há tratos de outra natureza... a violência que se sobrepõe à mulher, seja ela física ou psicológica, retrato de uma covardia social que se insurge sempre contra os mais fracos, e a desvalorização sexual da mulher, subtraindo-lhe a dignidade que lhe é intrínseca enquanto ser componente desta natureza humana.

Por tanta luta que ainda urge travar, pelas mulheres de hoje, pelas filhas das mulheres e dos homens de hoje; pela reiteração da igualdade de direitos entre os géneros; pelo protesto contra mutilações, espancamentos públicos, sentenças de morte e outros atentados contra a integridade feminina; e pela memória das mulheres que morreram queimadas em 1857 por reinvindicarem igualdade salarial numa fábrica em Nova Iorque, pelas que lutaram pelo direito ao voto, pelo direito aos estudos, pela emancipação feminina... é que é, ainda, justificável a sinalização desde Dia Internacional da Mulher.


Em Liberdade
somos
nós mulheres o cimo
da raíz


O caule que
suporta
o peso do fruto e da flor


No ventre das mulheres
o sossego é fértil


em nós cresce o amor


Maria Teresa Horta

06/03/10

Ao Partido

Um poema de José Salsorte:

Pelos homens humilhados
oprimidos e explorados
nos quatro cantos do mundo
pela bandeira insubmissa
cor de um sagrado castigo
pelos que jazem no fundo
dos abismos da justiça
mas tombam de rosto erguido
existes tu, meu Partido!


Pelos mártires duma ordem
extintos nos sangues que escorrem
dos quatro cornos da guerra
e por todos quanto gemem
a um deus ensurdecido
para os sem lar e sem terra
pelas crianças que tremem
de fome e frio consentido
existes tu, meu Partido!


Pelas mulheres que se enfeitam
das mágoas com quem se deitam
nos quatro quartos de amantes
pelas mães que geram filhos
sem vislumbres de certezas
contra as causas repugnantes
que vomitam dos gatilhos
suas vinganças sem sentidos
existes tu, meu Partido!


Pelos que o mar hajam visto
em torturas anticristo
pelo Amor amplitude
das uniões operárias
pelo punho prometido
à Paz e à Juventude
Pelas Reformas Agrárias
de outro povo conseguido
existes tu, meu Partido!


Pela Revolução que os puna
pelo Hino da Comuna
pelo progresso da História
pela Pátria Universal
pelo homem pretendido
pelo dia da vitória
pela Internacional
pelo pão retribuído
existes tu, meu Partido


existes tu
meu Partido!


Sto. António Caparica, Maio 1964

05/03/10

FRONTEIRA




De um lado da terra, doutro lado da terra;
De um lado gente, doutro aldo gente;
Lados e filhos desta mesma serra,
O mesmo céu os olha e os consente.

O mesmo beijo aqui, o mesmo beijo além;
Uivos iguais de cão ou de alcateia.
E a mesma lua lírica que vem
Corar meadas de uma velha teia.

Mas uma força que não tem razão,
Que não tem olhos, que não tem sentido,
Passa e reparte o coração
Do mais pequeno tojo adormecido.

Miguel Torga

03/03/10

Muitos tostões de Timor

O Governo de Timor-Leste aprovou, ontem, o envio de 750 mil dólares norte-americanos (556 mil euros) para ajuda às vítimas da tragédia na Madeira.

A decisão do Executivo de Xanana Gusmão é justificada, em comunicado divulgado pela agência Lusa, como sendo um acto de 'solidariedade e apoio para com o povo e autoridades' da Região. Antes, já o Presidente timorense, José Ramos-Horta, tinha enviado uma mensagem de condolências ao seu homólogo português.

"Nem um tostão" de Jardim

O gesto do Governo de Timor, independentemente do drama que afecta a Madeira, obriga a recordar declarações antigas em sentido contrário. Em Agosto de 1999, quando Timor era palco da destruição provocada pelas milícias pró-Indonésia e em todo o mundo se multiplicavam as manifestações de solidariedade e o envio de ajuda financeira, na Madeira, as posições oficiais foram diferentes.

De férias no Porto Santo, Alberto João Jardim garantiu que a Madeira não daria "um tostão" para Timor e que não admitia que o Estado português "mexesse" nas transferências a que a Região tinha direito. 'Nem um tostão para Timor' foi uma frase que provocou as mais duras reacções, em todo o País.

"A filosofia popular ensinou-me que cada um se deve governar por si", acrescentaria o presidente do Governo Regional, a 29 de Agosto de 1999.

Mais tarde, depois de muita polémica, na Região e no Continente, a Quinta Vigia acabaria por emendar a mão, embora de forma simbólica. Jardim disse que nunca esteve contra a ajuda ao povo timorense, mas apenas que a Madeira não podia prescindir de dinheiro para esses apoios.

No dia em que se realizou, no Funchal, uma vigília de solidariedade para com o povo maubere, o Governo Regional prometeu aprovar uma ajuda financeira. Um apoio que se iria traduzir numa resolução em que eram aprovados cinco mil euros de ajuda. Uma verba que Jardim só admitia entregar às autoridades timorenses e não às entidades portuguesas que reuniam as ajudas.

A oposição regional não deixou passar sem comentário esta alteração de posições, como já fizera em relação à recusa de 'um tostão' para Timor. Mota Torres (PS) exigiu que Jardim pedisse desculpa pelo que tinha dito e José Manuel Rodrigues (CDS), concluiu que o líder do PSD se tinha "vergado" à opinião pública e prometeu estar "vigilante" para ver se a promessa era cumprida.

Depois, já em 2000, durante uma viagem oficial à volta do Mundo, o líder madeirense diria que nem os cinco mil euros iam para Timor.

A frase que gerou tanta polémica - "nem um tostão para Timor" - tem acompanhado Jardim, sempre que o tema é o País de Xanana Gusmão.

País muito pobre

Timor-Leste é um dos países mais pobres do mundo e continua, desde a independência, em Maio de 2002, numa fase de reconstrução e criação de infra-estruturas básicas.

Esta ajuda financeira para a reconstrução da Madeira, modesta se for vista no quadro das ajudas internacionais que deverão chegar, tem um significado maior quando vista à luz do orçamento do País.

Madeira gasta o dobro

Em 2009, o orçamento da República Democrática de Timor Lorosae foi de 902 milhões de dólares, pouco mais de 644 milhões de euros. Uma verba que é mais de duas vezes inferior ao orçamento da Região Autónoma da Madeira que é de cerca de 1.500 milhões de euros.

A título de curiosidade, a ajuda de 556 mil euros, ou 111 mil contos na moeda antiga, representa, 433 escudos por madeirense (256 mil habitantes), qualquer coisa como 4.330 tostões a cada um.


Jorge Freitas Sousa, in Diário de Notícias, da Madeira (26-02-2010)

02/03/10

Julieta Cabral

Os dias carregam-se de lágrimas no rumorejar da tristeza que se abrigou em nós. E vertem, elas, na erupção de gritos silenciados, bradando aos deuses que se aquietem, que tanta dor não é justiça!

A Julieta era mãe de todos nós, dos filhos e dos amigos dos filhos. Era uma mãe Gorkiana, que se esmerava em lutas, mesmo que não fossem as dela, eram as dos filhos e isso bastava! E depois adoptava-as para si , tomando-as como suas.
Vi-a lutar com tanta força por cada um dos seus filhos, devotava-lhes um amor que tantas vezes me confessou, colhia-lhes os erros, os devaneios, amparava-os incondicionalmente... E a Julieta, doente, nervosa, jamais quebrava quando era hora de reerguer os filhos. Tinha a compreensão pela mudança, que na sua idade era ainda mais admirável. Pelos filhos, pelo amor imenso que lhes tinha, derrubou cegueiras morais e sociais, superou preconceitos, acatou as diferenças... lutou, lutou!...
E entre nós era alegre, uma fonte jovial, um sorriso franco e incontido, de gargalhadas quase estridentes, um olhar semicerrado de onde discorria tanto afecto... pelos filhos, e pelos amigos dos filhos!
Não havia festa em casa dos meus amigos onde a Julieta não partilhasse os nossos desvarios, era parte de nós. Não nos censurava o comportamento, ria-se das conversas disparatadas que tinhamos, opinava nos nossos debates, entrava nas graçolas... gostava tanto de nós, a mãe Julieta!

O temporal levou-a. Nesses dias o coração vacilou ante a catástrofe e desde então começou a partir, dia a dia, numa despedida lenta e silenciosa que, porém, em nós, nos filhos, e nos amigos dos filhos!, emana em rugidos de revolta porque esta, ainda, não era a hora!!

Até sempre Julieta!
Nós também gostámos tanto, tanto de si!!... Obrigada.