28/03/11

Colóquio "Maus-tratos a crianças"



Foi há uns dias, no Funchal e a azáfama em que andei para a concretização deste acontecimento não me permitiu partilhá-lo além do post de divulgação sucinta pelo facebook. Passado o evento, não é menor a partilha do momento. Reuniram-se quatro rostos determinantes na luta contra os maus-tratos a crianças em Portugal num encontro, acreditem, marcante numa cidade com as particularidades, sobretudo políticas, do Funchal.
Edgar Silva, à direita na foto, travou batalhas inimagináveis ao mais comum dos comodistas (e são tantos) que pululam as sociedades. Num período (que perdura...) de cavalgadura política e religiosa houve um homem que se insurgiu, curiosamente não para mudar qualquer uma das instituições, mas para defender e proteger uns quantos (inúmeros ainda...) seres que o sistema abandonara, e assim sujeitara às maiores atrocidades e destratos.
Eram crianças! E viviam pelas ruas, sem retaguarda familiar, sem afectos que não fossem os partilhados entre os bandos de meninos que sonhavam ser homens...
Meninos que sorriam tristemente nas "mergulhanças" que eram não mais do que mergulhos atléticos e artísticos no mar para recuperar moedas que os turistas, alarvemente, lhes lançavam dos navios, sob a contemplação divertida de tanta gente cúmplice em redor. Também eu era menina quando assisti repetidamente às "mergulhanças" nos passeios domingueiros que se faziam pelo cais da cidade. Delirava com as acrobracias dos meninos, mergulhava imaginariamente com eles e congratulava-me quando exibiam o troféu, como se também meu se tratasse : uma moeda de dois escudos e meio, na maioria das vezes, para gáudio do público que aplaudia como se estivesse no circo...

Eu não sabia que aquele era o espectáculo mais triste do mundo! Que aquelas tardes da minha infância debruçadas no cais, eram tão só o reflexo de uma sociedade perversa, onde o poder era o trunfo que movia pessoas desprovidas de alma, e onde a igreja se alienava do seu papel de raiz, solidário e social, e se imiscuía na podridão da política.
Além da mendicidade e de todas as privações de cuidados e direitos que todas as crianças têm consagrados pela UNICEF, estes meninos eram sujeitos a sevícias,abusos sexuais e prostituição. Foi o Edgar, então padre, dotado de um carácter especial, de um humanismo raro e de uma força colossal quem se debateu para resgatar estas crianças da rua , criando para elas uma "Escola Aberta". Esta, era livre, desprovida de regras ou imposições capazes de repelir estas crianças que temiam a própria escola, porque a tinham como castigadora. Uma das condições que eles próprios impuseram para a sua escola era de que os "professores (que eram voluntários...) não podiam bater"... - a dor das crianças expressa em restrições que a memória do seu próprio sofrimento escudava.

Mas a escola dos meninos de rua do Funchal e Câmara de Lobos fechou e o Edgar foi preso, na altura. A força dos que ousam lutar dignamente por um mundo melhor incomoda a sujidade dos corredores políticos em promiscuidade com a igreja.

No passado dia 25 reuniram-se com o Edgar, o Pedro Namora, a Dra. Catalina Pestana e o Dr. Álvaro Carvalho, também eles combatentes pela dignidade das crianças, cuja luta é mais conhecida pelo mediatismo do Processo Casa Pia.
O encontro foi bem sucedido, segundo atestaram vários participantes, incluindo os palestrantes. Julgo ter sido das poucas cuja satisfação ficou aquém do esperado. Embora a sala estivesse repleta de gente, para mim não foi o suficiente, dado o empenho que tenho nesta causa e a importância incontestável que este tema carrega na construção de qualquer sociedade sã. Esta, é uma temática que devia mobilizar o mundo inteiro!

Dizia-me alguém em tom de explicação que, porventura, se não fosse uma iniciativa da CDU, a sala, além de estar cheia como era o caso, seria insuficiente para uma procura massiva... E confesso-vos que esta ideia me indigna: então os direitos das crianças são partidários? Desde quando é que se partidariza a consagração da dignidade da criança?!!

Mas "o caminho faz-se caminhando", não é? E as transformações sociais, sobretudo as de mentalidade, nunca se fizeram "num dia", mas sim como resultado de lutas persistentes, teimosas, árduas e nunca, nunca alquebradas!

Como as dos quatro palestrantes.

4 comentários:

Maria disse...

A transformação das mentalidades leva anos, querida Camarada!
A luta contra o preconceito continua, também.

Um beijo.

Fernando Samuel disse...

Que grande encontro foi esse!...

Um beijo.

Mar Arável disse...

Grande Edgar

svasconcelos disse...

Maria: Pois leva... já começo a perceber que sim.:)
O preconceito é terrífico seja em que domínio, é o grande responsável pela involução de sociedades.
Um beijo.

Fernando Samuel:.. é que foi mesmo!!!:))) por tudo!
Um beijo,

Mar Arável: O Edgar Silva é um marco incontornável da luta pelas crianças, no Funchal.
Na verdade, é tão grande que é capaz de abarcar tanta gente, com a simplicidade e genuidade que só os grandes homens são portadores ...
beijo,