28/02/11

Por Brecht:


Ah! Desgraçados!
Um irmão é maltratado e vocês olham para o outro lado?
Grita de dor o ferido e vocês ficam calados?
A violência faz a ronda e escolhe a vítima,
e vocês dizem: “a mim ela está poupando, vamos fingir que não estamos olhando”.
...Mas que cidade?
Que espécie de gente é essa?
Quando campeia em uma cidade a injustiça,
é necessário que alguém se levante.
Não havendo quem se levante,
é preferível que em um grande incêndio,
toda cidade desapareça,
antes que a noite desça

27/02/11

Ainda o Zeca...

Por Baptista Bastos:

Zeca Afonso morreu há 24 anos [23 de Fevereiro de 1987], com uma doença atroz: esclerose lateral amiotrófica.
Tinha 57 anos e manteve, até ao remate dos dias, aquele sorriso meio-cândido, meio-malicioso, que lhe conferia o ar de menino de sempre. Pouco tempo antes conversámos numa leitaria à entrada das Escadinhas do Duque, das duas ou três tertúlias da zona a que chamávamos o Triângulo das Bermudas. Não era um local de perdição, ao contrário do que a alcunha pode querer dizer. Mas os encontros poderiam levar-nos pela noite adiante.Os mesários dessas reuniões eram, entre muito outros, fixantes e passantes, Herberto Hélder, António José Forte, António Carmo, Aldina Costa, José Carlos González, Ricarte-Dácio de Sousa, Adriano de Carvalho, Serafim Ferreira, Teresa Roby, Luiz Pacheco, os actores Fernando Gusmão e António Assunção, e por aí fora. Olho para trás e reconheço que esses encontros são irrepetíveis, não só porque a morte já fez a sua ceifa como pelo facto de a atmosfera moral e afectuosa ser, agora, muito diferente. Frequentei aqueles grupos durante anos. O "Diário Popular" era ali perto e dava-me jeito ir à bebida e à conversa com amigos, alguns dos quais (o Herberto, por exemplo) vinham dos bulícios da adolescência. O Zeca Afonso não era habitual; mas, naquele fim de tarde, sentou-se para conversar sonhos e esperanças tão antigos como o homem. "Estou a morrer devagarinho", disse-me. E a voz era como se viesse do fundo do corpo. A frase impressionou-me pela coragem. Ele sabia que estava condenado e talvez quisesse dizer-me que o sabia. Falou, logo a seguir, de outras coisas. Olhava para este homem novo, atingido por uma doença medonha, e recordava a generosidade limpa e aberta de alguém que dera tudo a todos e oferecera à Revolução o seu hino definitivo. O Viriato Teles, grande jornalista que os senhores dos jornais têm laminado mas não destruído, escreveu, sobre o amigo e companheiro, páginas definitivas, e conhece, como ninguém, a dimensão da grandeza de uma pessoa rara. Mas o País ainda não homenageou o poeta admirável e o cantor de palavras claras que esteve sempre com as causas justas, as batalhas necessárias e as urgências que a História exigia. Melhor do que nós, fazem-no os galegos, para os quais José Afonso é um marco e um símbolo da dignidade e da probidade humanas. Os textos de "intervenção" que escreveu pertencem à mais rigorosa selecta da lírica portuguesa. Provêm, directamente, das fontes medievais e da tradição de combate e crítica da grande poesia. Zeca Afonso não facilitava a interpretação dos seus poemas. A diversidade de leituras que propõem sugeriu muitos estudos no estrangeiro e o respeito de duas ou três gerações que ele distinguiu com a lição de um desprendimento total. Comparar a obra do poeta às "cançonetas" "dos" Deolinda, como por aí se tenta, é um ultraje e uma demonstrada ignorância. Mas estas comparações não são ingénuas. Fazem parte do arsenal de apoucamento do Zeca, que um sector da vida portuguesa deseja, há muito promover. É desnecessário. A força, a qualidade do imenso trabalho criador do autor de "Traz outro amigo também" não sofre paralelismo com outro qualquer. O que não passa de uma funçanata divertida e trôpega dificilmente poderá ser levada a sério e entendida como "intervenção social e ideológica." As comparações são propositadamente estabelecidas (inclusive por alguma Imprensa desprezível) para fomentar a confusão e enganar tolos. A estratégia não é nova. Ainda há quem não perdoe a Zeca Afonso a magnitude do seu talento e o cariz de uma arte que sempre recusou o panfleto sem desprezar a intenção de revolta. No dia 23 de Fevereiro completaram-se 24 anos sobre a data da morte de um grande poeta português. É muito bom que, sob outras roupagens, a sua música e as suas palavras sejam cantadas pelo pessoal mais novo e ouvidas por todos aqueles que possuem da arte um conceito diferente porque superior. Quanto a mim, que fui amigo deste português incomum, deste artista sem paralelo, recordo-o com emoção, encantamento e orgulho. Ele faz parte do nosso comum património moral, ética e estético.

23/02/11

Zeca Afonso - Vejam Bem



Hoje, em especial, é um dia para lembrar o Zeca...

21/02/11

Miguel Hernandez- Elegia / J.M. Serrat



Para o José, que perdeu um amigo. ..
:(

16/02/11

Pensar em ti

Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluir de tinta espessa e farta
e ...o passá-la em finíssima aguada
com um pincel de marta.
Um pesar grãos de nada em mínima balança,
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.
Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir.
Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.


António Gedeão

14/02/11

A minha avó

Tive uma avozinha. É vaidade dizer que era a sua neta dilecta, mas não coro perante o orgulho que ainda sinto nesse facto. Era tão velhinha já quando as primeiras memórias do seu rosto despontaram em mim. Mas vigorosa, de andar apressado, sorriso rasgado e iluminado (era lindo o sorriso da minha avó, e tantas vezes confortou a solidão das minhas tardes!) e um olhar tão cândido que se escondia nuns olhos já encovados e tão pequeninos. Foi ela quem melhor me embalou a infância, sobretudo quando se sentava no chão ao meu lado a costurar vestidos para as minhas bonecas de trapos, que ela mesma fazia. Por vezes cantava-me, numa voz rouca e sem vibração, e no entanto alvoroçava ao rubro o enorme afecto que eu lhe tinha. Vertia tanta ternura, a minha avó !...
Gostava de me ensinar e , por ser ela, empenhava tanta atenção ao que me dizia que , ainda hoje, tenho o travo do arroz da minha avó e o alinhavo certo na roda das calças.
Tantas vezes rebuscava o seu passado de pobreza e tristeza, da lavoura que os seus pais lhe impuseram desde cedo, do casamento tardio que lhe fora imposto, dos filhos que lhe morriam à mão de um destino maldito, da viuvez precoce que a desamparou, do trabalho de toda uma vida que penhorou para fitar o futuro dos filhos. E se por vezes lhe pressentia nostalgia, ela dissipava-a logo com aquele sorriso tão franco e resoluto quando, ansiosa, lhe perguntava: "Avó... está triste?".

Outras vezes remexia no tempo em que cedo se lançava pelas serras rugosas da ilha para ordenhar a vaca e as cabras, pela manhã, e eu desvairava de alegria quando os personagens das suas histórias eram os animais: " Conte mais , avó!" e ela, motivada e feliz, lá me engrandecia o cão que a seguia pela madrugada até aos palheiros longínquos da sua infância.

Às vezes lia-lhe poemas e ela não os entendia, mas sorria muito e no fim compensava-me com um "Sabes ler bem...", e dizia-mo tão simplesmente que ainda hoje sinto a força de tamanha ternura. Um dia quis ensinar-lhe a escrever o seu nome e lembro-me de ter insistido repetidas vezes, guiando-lhe a mão com a minha (ah, a mão tão fina e pequenina da minha avó!) e rabiscando tantas vezes no papel: " Ge-or-gi-na" . Não conseguiu autonomia para o escrever sózinha, mas um dia pediu-me o lápis de carvão e desenhou-me um arado. Queria que eu soubesse como era o instrumento com que sulcara a terra, o mesmo que também lhe lavrara a vida.


Quando parti, anos depois, desgostei-a. Fez da minha ida um lamento sem consolo, mas em cada retorno meu partilhávamos os lanches no café da cidade, noutras tardes tão luzentes que lembravam outros tempos. Num desses regressos encontrei-a acamada e o seu olhar fulminou-me pela inexistência de um qualquer resquício da expressão branda e sensível de outrora. " A avó já não tem memória, não te reconhece", diziam-me. Era um corpo sem tempo, sem vigor... Mas nesse momento, foi tanto o meu pranto pela partida daquela que tanto me amara , que a minha convulsão despertou-a do torpor por um instante tão breve, que se tornou eterno: "Estás a chorar, Sílvia?"- e sorriu-me por uma última vez, sem que eu lhe conseguisse responder, e não disse mais nada!


Não voltei a vê-la e pouco tempo depois morreu, em casa, cuidada por filhos, noras e netos.

Quando oiço estas notícias de abandono de idosos, que nos últimos dias têm preenchido o nosso painel noticioso, indigno-me com a frieza e a indiferença que acometeu a nossa sociedade. Ostracizar assim os mais velhos, degredá-los ao abandono e maus-tratos são reflexo da podridão de um sistema que ostenta tudo menos a dignidade. Curiosamente, é nos países ditos de primeiro mundo, que os velhos deixam de servir e se tornam um fardo que urge descartar. Não me deveria surpreender, afinal é o fruto do apregoado capitalismo que, entre outras coisas, enaltece o novo enquanto fonte de rendimento facilmente moldável e rentável....e, quando velhos, descartável.
Que revolta!

13/02/11

Poema

A maior das maravilhas é viver
mas não me empurrem para a vida
sem que eu queira. Não me dispam,
não me vistam, não me lavem sem
que me apeteça. E não dêem números
às almas, às coisas que são mais importantes,
não atribuam um número à esperança,
outro à minha angústia e outro à liberdade,
ou um só número para tudo o que sou
e para tudo o que sinto. Um número
tatuado na pele humana da notável
condição de ser pensante. Não afoguem
a água. Não aqueçam o sol. A maior
das melhores maravilhas é viver
sem profissionais do empurrão. Os que esperam
lucrar alguma coisa com a queda, chegar-se
à frente no gabinete das soluções precárias.
Não quero que me convidem nem me impeçam
de viver como gosto, como quero, como espero,
ou de outra forma qualquer. Não se ponham
na minha frente, nem me empurrem.
Deixem-me caminhar como eu quiser,
se eu quiser. Deixem-me pensar como eu
quiser, se eu quiser. Deixem-me, apenas.
Não me segurem. Quero escolher.
Quero ser o que bem me apetecer!
Formidável, amável, doente, diferente
ou indiferente. Permitam-me que escolha,
que faça apenas o que me der na bolha,
que diga porra!, basta!, vão-se embora!
e deixem-me ficar. Quero permanecer
caído, traído, vencido, emparedado,
ou sacudir de vez a água das traições
e ferrar o dente na mentira, gritar se fôr
preciso. Mas fazer doer quando morder.
Não me toquem, não me abracem, não me finjam
sentimentos. Há momentos que não posso suportar.
Deixem-me ser como o mar, como o deserto:
ser perto ao longe e longe ao perto. Ou ser,
apenas ser. O que eu for capaz, afinal, o que eu
quiser, porque quero, porque posso, porque
de nada serve querer mudar-me. Não me toquem
como se eu fosse uma bola de cristal, uma
cobra, uma barata, uma coisa, um animal.
Deixem-me estar sozinho. Assim, sozinho,
tão sozinho que não precise de ninguém,
muito menos de quem se sente no direito
de empurrar. Ou impedir. Não me façam
um dos vossos, um previsível, um sensível
à rotina das esperadas pulsações. Não quero
dar, nem quero que me dêem soluções. Nem
sequer convosco conversar ou fazer parte
seja do que for. Retirem-se. Retirem-me
a vergonha de me estar a transformar
no que é pior que tudo e eu não mereço:
no número 103 420 894. Por favor,
é isso, só isso, que vos peço.

Joaquim Pessoa

10/02/11

IKEA e capitalismo

Hoje lia uma notícia que não me deveria surpreender, mas que expressa bem a fúria capitalista de magnatas, e o quanto se colam à pobreza de valores construtivos de um ideal social. Por acaso, e também por razões geográficas, nunca fui cliente dessa grande empresa que se chama IKEA - e certamente evitarei sê-lo a qualquer custo a partir de agora, a atestar a veracidade do que li.
Entre outras informações, que foram publicadas em livro por um ex alto quadro da empresa, fiquei a saber que a madeira usada (não sei se a 100%) provém ilegalmente da China ou da Rússia, ou seja, provavelmente da desflorestação abusiva desencadeada por máfias, às quais os direitos humanos são insignificantes, nomeadamente e , no caso, não é difícil imaginar o grau de exploração que deve estar na origem desta situação.Vejam lá o cinismo do grande capitalismo como opera: por um lado desfloresta criminosamente, por outro tem um fundo de donativos para a protecção ambiental.
Mas , e ainda em matéria de protecção da natureza, são capazes de outras atrocidades: depenam aves vivas para as almofadas e edredões, e mantêm-nas vivas durante um máximo de tempo para rentabilizarem o produto, mais que uma vez. Isto é de um horror absoluto, ao que uma empresa sem escrúpulos chega para poder comercializar um produto a baixo custo!...
Se tivesse ficado por aqui na leitura, já seria suficientemente chocante, mas no artigo discorre-se sobre mais: as mulheres são discriminadas meramente pela sua condição de género e são impedidas de chegar a carreiras de topo! Em matéria de multinacionais e para quem já trabalhou numa, isto não é novo. Os negros também são tidos como elementos pouco confiáveis.
Ou seja, estamos perante um exemplo digno da política capitalista: exploração, ilegalidade, atentados humanos e ambientais, doações e fundações.
E sabem que mais, ainda? O dono desta empresa tem um passado nazi, e ao que foi relatado no artigo, o seu ídolo era... Hitler.

Esta pobre gente rica...

Este é um texto a não perder do B.B., discorre pelo fulcro da nossa sociedade, hoje tão desprovida de valores, sejam eles morais, culturais, humanos... O "vil metal" é o único valor que subsiste e ordena, intimidando as massas a não lutarem pelos seus direitos: a equidade é um deles...
"Que os ricos vivem muito melhor do que nós era dado assente. O provérbio, absurdo, de que o dinheiro não traz felicidade constituía o resignado encosto com que soluçamos as nossas mágoas, desilusões e ressentimentos. Claro que somos ressentidos e rancorosos. As nossas raivas procedem das desigualdades afrontosas com que, desde muito cedo, nos deparamos. A frase, cabisbaixa, segundo a qual haverá sempre ricos e pobres tem servido a uns e amarfanhado a outros. De vez em quando servem-nos umas migalhas e atenuamos as nossas dores com essas módicas felicidades.
Um estudo, "Classes Sociais e a Desigualdade na Saúde", do sociólogo Ricardo Antunes, de que o Público deu notícia pormenorizada, indica, com dados evidentemente probatórios, que "os ricos vivem mais dez anos do que os pobres". As dificuldades, os problemas insanos, a incultura, a iliteracia, a falta de relações sociais, a ausência de perspectivas pertencem ao rol das misérias com que se debate a esmagadora maioria dos cidadãos.
Os operários, por exemplo, morrem mais cedo do que os profissionais ditos qualificados, os "quadros", os "gestores", os professores, os advogados. Os números estarrecem. E demonstram uma peculiar associação entre a identidade dominante e a servidão e o totalitarismo. As nossas democracias, tão incensadas nas virtualidades essenciais, têm cada vez mais tendência para se esvaziar de sentido e de objectivo, transformando-se em "democracias de superfície".
A moral do nosso tempo absorve a personalidade individual, limita-lhe a vida, coarcta-lhe a existência, e faz do homem um ser absolutamente controlado. O medo, que invadiu e se instalou nas sociedades ditas modernas, é o coercivo processo de intimidação e de domínio que faz de nós pessoas recalcadas e infelizes. O medo de perder o emprego, o medo de perder a saúde, o medo compacto e abusivo de desagradar ao patrão, o medo da velhice, o medo da solidão, são os medos impostos pelas classes dominantes como construção permanente.
O documento de Ricardo Antunes, pela sua natureza, merecia uma expansão maior. E, acaso, suscitaria uma discussão mais alargada, com um tratamento jornalístico adequado à novidade e características do tema. As televisões, que se acotovelam com o crime de Nova Iorque, que praticamente ignoraram a morte de Vítor Alves, grande "capitão de Abril"; que carpem doridos queixumes com a ida embora de um Liedson e as declarações de um Costinha, remetem para os fojos das suas ignorâncias o que, na realidade, diz respeito ao nosso viver comum.
Estamos a ser definidos pelos outros, estamos a ser espoliados das nossas pessoais identidades, estamos a ser manipulados, manobrados, dirigidos, orientados, indiferentes ao facto de estarmos a ser reduzidos nas nossas liberdades.
Querem mais?"

09/02/11

Rugido


Soubesse a dor como fugir
da profundidade tão erma a que se entrega...
Quando ao longe , na linha estreita onde as ondas se deitam a rugir
se tecem lágrimas de alento
ao lamento que não tem fim

Soubesse o mar como isto dói...quando a memória renasce da distância
e as vagas rastejam em súplicas, derramando o silêncio, bem fundo,
na solidão deste pesar.

Soubesses tu... tu!, como isto dói...

08/02/11

Despedida...


É como se a partida dentro do silêncio deste tempo, atormentasse a esperança que a fez erguer, tantas vezes em vão.

Arrastou-se tragicamente entre encontros que se construíam de ausências , mas era desvelo que lhe nutria.

Mesmo assim, nunca supôs que o retorno fosse o golpe final...O troço que faltava para coroar a despedida.

07/02/11

Menina dos olhos tristes



" ... o soldadinho não volta, do outro lado do mar."

01/02/11

Pedro Aznar - Invento el mar



Para desanuviar ...
Da conjuntura política do meu país, das notícias que me chegam de longe, e que mesmo impregnadas de esperança, encarceram as expectativas no suspense dos próximos dias...
(FORÇA EGIPTO! E Tunísia, e Jordânia, e Marrocos...)