26/02/10

Triste profecia

Artigo publicado no dia 13 de Janeiro de 1985 no jornal “Diário de Notícias” do Funchal


Eu tive um sonho

Cecílio Gomes da Silva*

Traumatizado pelo estado de desertificação das serras do interior da Ilha da Madeira, muito especialmente da região a Norte do Funchal e que constitui as bacias hidrográficas das três ribeiras que confluem para o Funchal, dando-lhe aquela fisiografia de perfeito anfiteatro, aliado a recordações da infância passada junto à margem de uma das mais torrenciais dessas ribeiras – a de Santa Luzia – o mundo dos meus sonhos é frequentemente tomado por pesadelos sempre ligados às enxurradas invernais e infernais dessa ribeira. Tive um sonho.

Adormecendo ao som do vento e da chuva fustigando o arvoredo do exemplar Bairro dos Olivais Sul onde resido, subia a escadaria do Pico das Pedras, sobranceiro ao Funchal. Nuvens negras apareceram a Sudoeste da cidade, fazendo desaparecer o largo e profundo horizonte, ligando o mar ao céu. Acompanhavam-me dois dos meus irmãos – memórias do tempo da Juventude – em que nós, depois do almoço, íamos a pé, subindo a Ribeira de Santa Luzia e trepando até à Alegria por alturas da Fundoa, até ao Pico das Pedras, Esteias e Pico Escalvado. Mas no sonho, a meio da escadaria de lascas de pedra, o vento fez-nos parar, obrigando-nos a agarrarmo-nos a uns pinheiros que ladeavam a pequena levada que corria ao lado da escadaria. Lembro-me que corria água em supetões, devido ao grande declive, como nesses velhos tempos. De repente, tudo escureceu. Cordas de água desabaram sobre toda a paisagem que desaparecia rapidamente à nossa volta. O tempo passava e um ruído ensurdecedor, semelhante a uma trovoada, enchia todo o espaço. Quanto durou, é difícil calcular em sonhos. Repentinamente, como começou, tudo parou; as nuvens dissiparam-se, o vento amainou e a luz voltou. Só o ruído continuava cada vez mais cavo e assustador. Olhei para o Sul e qualquer coisa de terrível, dantesco e caótico se me deparou. A Ribeira de Santa Luzia, a Ribeira de S. João e a Ribeira de João Gomes eram três grandes rios, monstruosamente caudalosos e arrasadores. De onde me encontrava via-os transformarem-se numa só torrente de lama, pedras e detritos de toda a ordem. A Ribeira de Santa Luzia, bloqueada por alturas da Ponte Nova – um elevado monturo de pedras, plantas, arames e toda a ordem de entulho fez de tampão ao reduzido canal formado pelas muralhas da Rua 31 de Janeiro e da Rua 5 de Outubro – galgou para um e outro lado em ondas alterosas vermelho acastanhadas, arrasando todos os quarteirões entre a Rua dos Ferreiros na margem direita e a Rua das Hortas na margem esquerda. As águas efervescentes, engrossando cada vez mais em montanhas de vagas espessas, tudo cobriram até à Sé – único edifício de pé. Toda a velha baixa tinha desaparecido debaixo de um fervedouro de água e lama. A Ribeira de João Gomes quase não saiu do seu leito até alturas do Campo da Barca; aí, porém, chocando com as águas vindas da Ribeira de Santa Luzia, soltou pela margem esquerda formando um vasto leito que ia desaguar no Campo Almirante Reis junto ao Forte de S. Tiago. A Ribeira de S. João, interrompida por alturas da Cabouqueira fez da Rua da Carreira o seu novo leito que, transbordando, tudo arrasou até à Avenida Arriaga. Um tumultuoso lençol espumante de lama ia dos pés do Infante D. Henrique à muralha do Forte de S. Tiago. O mar em fúria disputava a terra com as ribeiras. Recordo-me de ver três ilhas no meio daquele turbilhão imenso: o Palácio de S. Lourenço, A torre da Sé e a fortaleza de S. Tiago. Tudo o mais tinha desaparecido – só água lamacenta em turbilhões devastadores.

Acordei encharcado. Não era água, mas suor. Não consegui voltar a adormecer. Acordado o resto da noite por tremenda insónia, resolvi arborizar toda a serra que forma as bacias dessas ribeiras. Continuei a sonhar, desta vez acordado. Quase materializei a imaginação; via-me por aquelas chapas nuas e erosionadas, com batalhões de homens, mulheres e máquinas, semeando urze e louro, plantando castanheiros, nogueiras, pau-branco e vinháticos; corrigindo as barrocas com pequenas barragens de correcção torrencial, canalizando talvegues, desobstruindo canais. E vi a serra verdejante; a água cristalina deslizar lentamente pelos relvados, saltitando pelos córregos enchendo levadas. Voltei a ouvir os cantares dolentes dos regantes pelos socalcos ubérrimos das vertentes. Foram dois sonhos. Nenhum deles era real; felizmente para o primeiro; infelizmente para o segundo.
Oxalá que nunca se diga que sou profeta. Mas as condições para a concretização do pesadelo existem em grau mais do que suficiente.

Os grandes aluviões são cíclicos na Madeira. Basta lembrar o da Ribeira da Madalena e mais recentemente o da Ribeira de Machico. Aqui, porém, já não é uma ribeira, mas três, qualquer delas com bacias hidrográficas mais amplas e totalmente desarborizadas. Os canais de dejecção praticamente não existem nestas ribeiras e os cones de dejecção etão a níveis mais elevados do que a baixa da cidade. As margens estão obstruídas por vegetação e nalguns troços estão cobertas por arames e trepadeiras. Agradável à vista mas preocupante se as águas as atingirem. Estão criadas todas as condições, a montante e a jusante para uma tragédia de dimensões imprevisíveis (só em sonhos).

Não sei como me classificaria Freud se ouvisse este sonho. Apenas posso afirmar sem necessidade de demonstrações matemáticas que 1 mais 1 são 2, com ou sem computador. O que me deprime, porém, é pensar que o segundo sonho é menos provável de acontecer do que o primeiro.
Dei o alarme – pensem nele

Lisboa, 11 de Dezembro de 1984

*Engenheiro Silvicultor

25/02/10

Em Louvor do Funchal

Um dia, que esperamos não muito distante, a imagem desta baía em ruínas, soterrada hoje em lama e pranto, há-de dar lugar, de novo, à paisagem verdadeira. Passaremos deste inverno intransigente e funesto à clemência de uma estação que devolva ao Funchal a sua luz.
As buganvílias voltarão a estender placidamente sobre as ribeiras os seus braços brancos, rosa, cor-de-vinho; a árvore de fogo do Largo do Colégio levantará mais alto o seu deslumbre; os Jacarandás repetirão o assombro colorido; as Tipuanas desdobrarão, nos inícios de Junho, um incrível tapete amarelo frente a São Lourenço ou na subida de Santa Luzia.
Esperamos que, num tempo não distante, se possa reconhecer, de novo, a limpidez do traçado atlântico do centro, as ruas confusamente populares, o arabesco do mercado, o mesmo desenho de cheiros, a mesma mescla de sonoridades, o brando silêncio que nas praças tem o seu quê de familiaridade tímida, quase cerimoniosa.
Encravado na forma de uma concha há cinco séculos, burgo marítimo de referência, com construção fantasiosa, o Funchal foi a primeira cidade europeia nascida fora da Europa. O resultado é um património humano e urbanístico únicos. Evoca, é claro, o modelo de algumas cidades continentais, mas já é outra coisa, como acontece aos territórios de fronteira. É uma cidade reservada e extravagante, cosmopolita e primitiva, enérgica e indolente. Tanto como outras, mas diferente, de uma maneira que é só sua. Por exemplo, em certas horas vazias, as inúmeras varandas terrestres espalhadas pelas encostas parecem colocadas num imenso navio como os que muitas vezes ali aportam, e sente-se (isto é real) que toda a cidade flutua.
O Funchal é, ainda que isso seja escassamente recordado, uma cidade literária, como Trieste ou Marraqueche: ali não apenas nasceram Edmundo Bettencourt, Cabral do Nascimento, Herberto Helder ou Ana Teresa Pereira, nasceram os seus universos.
Conta-se que o poeta António Nobre gravou a canivete numa árvore do Funchal: “sede de luz como que de relâmpagos”. Um dia, que esperamos não muito distante, chegará a luz.

José Tolentino Mendonça

ILHA



"... a nossa ilha da Madeira não merecia flores
para alegria dos cemitérios. Nenhuma ilha merece sangrar
assim- o corpo de um povo que planta flores"

in Mar Arável

Este excerto de post, em tom de poema, tocou-me especialmente. Está aqui, num dos mais bonitos blogues que conheço:
http://mararavel.blogspot.com/

24/02/10

RECONSTRUÇÃO



Hoje, finalmente, cheguei ao Funchal. Nem descrevo já os dias que me levaram o sono e abalaram toda a minha estrutura, na medida em que tive a minha mãe retida e isolada até ontem entre escombros e derrocadas, e embora acolhida por uma vizinha, a falta de água e luz e a escassez cada vez maior de alimentos, além da eminência de novos aluimentos na encosta, eram, para mim, motivo de uma preocupação doentia.
Não deixo de me rir, agora, pelo facto da minha mãe, com quase 70 anos ter galgado os destroços e o entulho trazido pela água no seu curso desde o cume da montanha, num acto desaconselhado e irresponsável, e assim libertar-se da opressão do medo que o perigo, ainda vigente, lhe causava. Com este acto "tresloucado", ao início da noite, libertou-se, e paradoxalmente, apesar de todo o risco que correu, também me aliviou a apreensão que me tem minado nos últimos dias.
De outros relatos já não falo, dos dramas que a sua ânsia, em esconjurar todo o terror, transbordava, por vezes com lágrimas, que me atingiam com a força de um dilúvio... mas o alívio do reencontro e do abraço que se seguiu, muniu-me de uma outra força que me levou, apetrechada de galochas e roupa velha, até ao "meu" Funchal. Ande por onde andar, parta para onde for, é este o lugar que me fará sempre!, regressar...
Não ia preparada para velar as ruínas da cidade, imbuí-me de um objectivo preciso e, evitando as zonas que me impressionariam terrivelmente até às lágrimas, fui de encontro ao "meu" Teatro, um dos quintais da minha infância... O movimento, na cidade, era imenso. Militares, polícias, bombeiros e cidadãos comuns, acautelados com pás, vassouras, rodos, todos fortificados na determinação de devolver à cidade o seu carácter. Diziam-me, alguns, que mal tinham dormido (e comido) mas não paravam, inflamados e resolutos em reerguer a cidade. E a verdade é que o Funchal parece restabelecer-se, não fossem os resquícios de lama que a tinge, ainda, de castanho, e não imaginaria toda a figuração dantesca que os noticiários transmitiram.
São tantos os voluntários para limpar a cidade e os seus edifícios que quando cheguei ao Teatro não havia espaço para a ajuda que lhes propus. Agradeceram-me e pediram mesmo para me ir embora, pois "muita gente dificulta as operações". Tinham razão...
Ainda teimosa fui ficando e vendo a remoção de lama por baixo do palco e da plateia. Tinha a altura, disse-me quem lá esteve no fim de semana, de mais de um metro. Outros espaços também foram danificados, inclusive onde se acolhia um manancial de livros e relíquias, diziam-me, de Baltazar Dias. Perdas irreparáveis...
A desolação está inscrita em cada um dos nossos rostos e ao cumprimento antigo do "Está tudo bem contigo ?" acresceu a preocupação imediata e tão franca " E com os teus?".
A tristeza alojou-se em nós, mas como me disse a minha amiga açoreana: "Nós, os ilhéus, sabemos reerguer-nos!"
A reconstrução começa nessa exaltação.

21/02/10

Levantar-se do chão...








Dificilmente até eu terei noção da dimensão da catástrofe que assolou a Madeira. O meu relato pessoal deste dia será o de desespero e aflição por não saber nada dos meus. As linhas
telefónicas estavam inoperacionais e as notícias que me chegavam eram as da televisão e da internet. Imagens incríveis que descaracterizavam o Funchal, cenários de filmes de horror.
Passar um dia e uma noite sem conseguir saber se a nossa mãe está bem, e outros parentes próximos, assistindo ao longe a relatos jornalísticos de que , precisamente , a zona em que eles habitam foi castigada por enxurradas impetuosas, é de um tormento tal que não sei dizer... só as lágrimas traçam a história de uma dor desesperante e impotente, qual urro mudo, cujo eco estilhaçava cada ínfima parte de mim.
Hoje, pela madrugada, pude, por fim, saber deles e ouvir-lhes relatos de terror e sofrimento. Confesso que pouco lhes ouvia, entre lágrimas e sorrisos indisfarçáveis, valia-me, enfim, a certeza de que estavam todos bem, mesmo que ainda isolados e com poucos mantimentos.
Descreviam-me situações como: " Foi um dilúvio, Sílvia, pensava que nunca mais te via...";
" Corriam pedregulhos loucos pelas encostas, chegámos a pensar que era um tremor de terra. O sr. Agostinho escondeu-se atrás da porta a chorar"; " O muro que sustenta a minha casa ruíu e há a eminência de haver ainda nova derrocada ."; "A capela e as casas próximas foram arrastadas pela força da água, encosta abaixo. Desapareceu tudo."; " O nosso caminho está barrado por lama, pedras enormes, carros arrastados, haveres de casas..."; "Ainda estamos isolados, não pude ir ontem ao supermercado, não tenho muita comida em casa"; " Fomos para casa da D. Rita, tivemos tanto medo..." e o mais importante: "Estamos vivos, filha."
Sim, e agora levantar-nos-emos TODOS do chão!
É tempo de reerguer-se!

20/02/10

Desolação

Imaginem o irromper de lágrimas em intempérie por uma sucessão de perdas humanas em redor... outras quantas em estado grave, outras ainda desaparecidas e fala-se em pessoas soterradas.
As notícias veiculam horrores provocados pelas águas, falam de danos materiais em números que nem quero saber, em pontes que desabaram, em casas fustigadas, em desalojados... mas os 32 mortos, até agora confirmados, é que desencadeiam toda esta bruma que desagua no mais ínfimo de mim.
Isto dói, dói muito...

E ainda eu não sei se algum dos meus foi atingido por este horror, pois há mais de doze horas que não consigo falar seja com quem for no Funchal.

Não há palavras para a dor deste silêncio. :(

17/02/10

Que se hasteiem os braços!


A nossa geração - olho-a com tristeza!
É vazio ou é negro seu porvir,
Ao peso do saber e da incerteza,
Vai envelhecendo sem agir.
Tanto ao bem como ao mal indiferentes
Na luta recuamos sem combater,
Diante do perigo cobardes, indolentes,
Desprezíveis escravos ante o poder.
Desprezamos dos avós as alegrias,
A sua pueril devassidão;
E caminhamos para a cova sem honra nem glória,
Olhando para trás com irrisão.
Mikhail Lermontov
Um dia destes, num jantar, concordei com um amigo que era revoltante e incompreensível esta apatia generalizada face ao despudor escancarado dos nossos (ditos) governantes. Assiste-se a uma desvergonha, a uma impudência de uma matilha de poderosos e não ultrapassamos os comentários de café, sibilas amedrontadas, sussuros de indignação que se desfazem de seguida quando outros estímulos se sobrepõem. É a indolência instalada, o medo que se enraíza, o comodismo da covardia que se arrumam para não perturbar o sistema "organizado" pela conveniência desta canalha.
E depois todos se admiram com vassalos de carácter tão servil como oportunista, de indivíduos que andam de gatas pelos partidos do poder a corromper todo um colectivo em benefício de uma corja corrupta, prevaricadora e venal que nos (des) governa.
O meu amigo, em tom de desabafo e num limite de exaustão por tantas lutas que travou (e ainda trava...) defendia, que não sendo apologista do terrorismo, por vezes pensava que" isto só ia à metralhadora" (leia-se insurreição, rebelião popular). Não passou da expansão de uma tensão que se vem instalando dentro de nós face ao desfile de notícias de suspeição ( e confirmação!) de um Governo escandaloso e obsceno.
Eu defendo que se hasteiem os braços! Porque a Luta é o caminho.
Este poema de M. Lermontov, escritor russo e poeta romântico do séc. XIX, não podia ser mais contemporâneo...

Um amigo de Oeiras




Há anos ouvi uma notícia que dava conta de uma iniciativa da Câmara de Oeiras em albergar gatos num jardim público, com o propósito de dizimar uma praga de ratos que pululava por ali, ameaçando as crianças que iam até lá brincar, ou não fossem estes seres vectores de inúmeras doenças zoonóticas...
Lembro-me que noticiaram que estes gatos eram não só vacinados e desparasitados, mas também esterilizados e acompanhados por um veterinário. E, claro, alimentados, pela autarquia. Não seria uma ideia inédita, pois por várias vezes,e ao longo dos séculos, os gatos foram utilizados ( e com sucesso!) como forma de luta biológica quando assolavam diversas pragas, essencialmente as aliadas aos roedores.
Confesso que regozijei com a notícia, até porque, aparentemente, tudo se processou ponderadamente sob o ponto de vista humano, animal e de saúde pública. Defendo mesmo que este exemplo deveria ter réplicas em outras localidades...
Finalmente, há poucos meses, fui a este jardim, em Oeiras, embora não propositadamente.
Ao entrar correram atrás de mim vários espécimes destes amigos (quem me conhece sabe que fico "doida" só por me cruzar com um gato na rua...). Perseguiram-me, alguns, ao longo do jardim, mas invariavelmente acabavam por se cansar (eu não tinha comida para eles...) ou despistar-se noutros interesses. Persistiu este "Puma" (vou chamar-lhe assim) que além de percorrer todo o Parque comigo, acabou por se deitar frente a mim, enquanto me sentei por alguns minutos a ler um livro. Uma boa companhia, creiam.
Hoje, é para ele este post.

10/02/10

Teatro das cidades


Qualquer tempo é um tempo duvidoso
assim o meu cercado das cidades
plataformas instáveis
praticáveis cobertos de infinita gente náufraga
que se inclina nas águas como um palco.
Paro na convergência dos estrados
chove já sobre a raça ameaçada
Incertas multidões em volta passam
contemporâneas falam interpretam
a duvidosa língua das imagens
Assim no teatro abstrato das cidades
morrem palavras sobre um palco náufrago
O tempo cobre o céu que se enche de água.
Gastão Cruz *
* Poeta e encenador, fundador do Grupo de Teatro Hoje e Grupo de Teatro de Letras, na década de 60

07/02/10

Prevenção e primeiros socorros a animais VI


GATO FERIDO

Por nos depararmos tantas vezes com um animal ferido na rua ou porque o nosso bichano também, não raras vezes, nos chega a casa com ferimentos preocupantes, deixo aqui umas dicas:

- Como se aproximar de um gato ferido ?

A aproximação a um gato (ou qualquer outro animal) ferido deve ser feita com cuidado, pois o facto de estar em sofrimento e, não raras vezes, assustado pode desencadear nele reacções de defesa que podem levá-lo a morder-nos ou a arranhar-nos.

1º Deve ver-se se o animal está consciente ou inconsciente. Caso esteja inconsciente , mas respire, deve-se deitá-lo sobre o seu lado direito, com a cabeça inclinada para trás e ligeiramente mais elevada em relação ao corpo. Deve cobrir-se o animal para manter a sua temperatura corporal. Se o animal não respira deve tentar-se a reanimação boca- nariz (a sério!) e levá-lo de imediato ao veterinário.

2º Deve ver-se se o animal está a sangrar ou se há sangue no chão. Para estancar uma hemorragia externa deve fazer-se pressão directamente no local da ferida ou colocar um pano com gelo no ferimento. Pode também atar-se uma ligadura no local, com força. Se a hemorragia não estancar levar de imediato o animal ao veterinário, tentando manter o gato o mais imóvel possível.

3º Verificar se há ferimentos, como queimaduras, golpes, perfurações, contusões ou ossos partidos. Como primeiro socorro e caso se trate de um ferimento superficial, pode limpar-se a ferida com água ou água oxigenada. Quando a ferida estiver limpa, deve-se secá-la e aplicar uma pomada ou pó antibiótico. Cobrir a ferida com uma ligadura é boa ideia na medida em que os bichanos tendem a lambê-las o que prejudica a cicatrização.

4º Ver a respiração do animal, se é normal, difícil (rápida ou curta) ou inexistente. Para se proceder à sua reanimação em caso de o animal não respirar: deitar o animal sobre o lado direito e inclinar-lhe a cabeça para trás, mantendo-lhe a boca fechada. Coloca-se uma compressa sobre o nariz do animal (por uma questão de higiene) e empurra-se-lhe ar para dentro algumas (poucas) vezes, tendo em conta que têm uma pequena capacidade pulmonar (20 a 30 respirações por minuto).

5º Se o animal estiver em estado de choque, prostrado, com pulsação fraca, gengivas descoradas, respiração rápida, corpo frio..., deve procurar-se mantê-lo quente, cobrindo-o e levar o animal, de imediato, ao médico.

- Como tranquilizá-lo se estiver agressivo?

É fácil verificar se um gato está agressivo atentando aos seguintes sinais: sopra de boca aberta, arreganha os dentes, espeta as orelhas para trás, mostra as pupilas dilatadas, eriça o pêlo ou abana furiosamente toda a cauda.

A abordagem a um animal ferido deve ser calma. Deve-se falar com ele de modo suave e quase sibilino. Se ele não reagir mal, devemos afagá-lo na parte de trás da cabeça e "coçar-lhe" as orelhas com suavidade.
Se ele estiver imóvel, ver se a posição em que se encontra é confortável e segura, deitando-o sobre o lado direito, como já foi referido. esta posição facilita a circulação de ar nos pulmões, impede que a língua se retraia e provoque asfixia, permite também visualizar melhor a respiração e pulsação do bichano.
Se parecer que o animal está frio, envolvê-lo com um cobertor é aconselhável. pelo contrário, se parecer muito quente ou ofegante, pode recorrer-se a uma ventoinha para o refrescar.

- Que se deve verificar num animal ferido?

. As gengivas: se estiverem brancas o animal pode estar em estado de choque ou ter alguma hemorragia interna. Deve-se levá-lo logo ao veterinário.

. Passar a mão pelo corpo do gato para ver se há alguma ferida, inchaço ou se tem alguma dor. Deve averiguar-se os membros, se doem, se estão inchados, se algum está desengonçado... é importante descartar uma fractura do membro ou uma deslocação articular, por exemplo.

. Por o gato de pé, para ver se consegue andar sobre as 4 patas ou só apenas sobre 3 , por exemplo... se tremer, recusar-se a mexer, miar com sofrimento ou respirar com esforço, levá-lo ao veterinário, coberto num cobertor por causa do choque.

Como nota final, é de referir o modo adequado de segurar um gato. De um modo geral, se se segurar este animal pela pele do pescoço com uma das mãos (como as mães fazem aos gatinhos com a boca) consegue-se imobilizá-lo com segurança, enquanto a outra mão rodeia-lhe o peito e os ombros. Se não se conseguir, o melhor é envolvê-lo num cobertor ou num toalhão , deixando apenas exposta a zona do corpo que seja necessário tratar.

04/02/10

Brinquedo


Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel á sua mão.
Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.
Miguel Torga
Olhava há pouco para uma antologia do Torga. Gosto de abrir os livros ao acaso e fingir que a mensagem que desvendam na página entreaberta me era destinada.
Hoje calhou-me este poema, estrela-guia de tantas infâncias...

02/02/10

Agonia


Talvez o caos,
o quarto abandonado, o fardo da agonia,
talvez o copo estilhaçado entre dentes,
a pluma que escreve em estranha língua de
cegueira e pavor,
talvez tudo isso seja digno de ti ou desta
mágoa
que faz aqui o seu abrigo e me acompanha
derradeiramente
pelos dias que virão como um animal
ferido,
a águia, o antílope, a noite,
a noite que já não contém o desejo, o
alento,
nada que possa ser dito e feito,
a noite das minhas mãos frias, agarradas
à garganta,
aos seus gritos que se voltam para dentro,
para as fogueiras sangrentas do amor.
José Agostinho Baptista