Surgiu-me um dia, há 14 anos, como alguns imprevistos que se revertem em alegrias perenes na minha vida. Seria a intermediária para a entregar a um "dono", que eu arranjara, sensibilizada pelo destino que lhe caberia se não lhe arranjasse um lar. Ficaria comigo uns dias de acordo com o combinado, antes da entrega , que a levaria para o Porto.
Era uma estudante universitária, a residir num quarto, e acatei a decisão de a albergar mesmo ali por uns dias, não obstante o incómodo óbvio que isso me causava.
Passaram dias a que se sucederam semanas, e em cada dia a repetição de gestos que dimensionaram a imensidão do afecto que se agigantava em nós, sem que nenhuma se apercebesse. Acordava-me de madrugada com miados que desencadeavam em mim uma resmunguice tal, que me forçava a levantar para lhe dar de comer, mais para a calar do que para a alimentar. Ela, ainda insatisfeita, apesar do prato estar atestado com os croquetes mal cheirosos que me nauseavam logo de manhã, perseguia-me até à cama, no meu regresso, para me sussurrar uns quaisquer mios e aquele estertor enternecedor que é o ronronar dos gatos. Entre marradas e cabeçadas que investia com meiguice no meu rosto, e as minhas rejeições que a atiravam para fora da cama , ao que ela retorquia com regressos repetidos, acabava sempre vencida pela sua teimosia, e envolvia-a, pequenina e meiga, nos meus braços e afagos, e assim ficávamos por um tempo. Tempo que correspondia sempre à sua vontade, não será preciso dizê-lo...
E depois era vê-la saltitar , enlouquecida de alegria para cima da minha secretária, e entreter-se de imediato com os lápis que escorregavam aos seus toques delicados, a princípio, depois aguerridos, com força e determinação para os atirar para o chão.
Entre tantas tropelias, os meus gritos de reprimenda, as palmas (Nunca palmadas!!) que batia para a assustar e demover da vontade de invadir tumultuosamente o chão daquele quarto, com fotocópias, canetas, borrachas e até bolachas, a nossa amizade foi-se insurgindo de mansinho, quase tão matreira como a Gata.
Entre tantas tropelias, os meus gritos de reprimenda, as palmas (Nunca palmadas!!) que batia para a assustar e demover da vontade de invadir tumultuosamente o chão daquele quarto, com fotocópias, canetas, borrachas e até bolachas, a nossa amizade foi-se insurgindo de mansinho, quase tão matreira como a Gata.
Sim, Gata com maiúscula, pois é o seu nome. Nome esse escolhido por si, quando , já decidida a ficar com ela, a tentei chamar de "Mia", nome catita, achava-o bonito para uma gatinha miadora como ela. Recusou-o, ignorava tal chamamamento, e as minhas tentativas de a educar eram logradas face a tamanha indiferença.
Por acidente, chamei-a de gata. Espanto meu, olhou-me, miou e veio ao meu encontro, assim, tudo de uma vez. Que mais poderia eu depreender? Albergara o ser com mais carácter que me poderia caber.
E um dia, quando a vieram buscar, só fui capaz de proferir que ali, ao pé de mim, naquele quarto pequeno, com uma pequena varanda que a enternecia durante horas, junto a um alpendre, imbuída em pensamentos e vislumbres, ali naquele recanto afectivo, era o seu lar!
Hoje, volvidos 14 anos, que na sua dimensão felina são muitos, muitos mais, já não se atira das estantes, nem corre tresloucada pela casa (embora mantenha o péssimo hábito de me acordar pela aurora..). Resigna-se, aconchegada, à quietude dos seus dias, à comodidade do seu sofá, ao amparo dos meus afectos. E aqui, perto de mim, enquanto a tributo neste blogue, insiste na candura que sempre a revestiu, vociferando, enternecida , o ronrom que me comove.
(Acho que me pede para ser co-autora deste blogue... pensando bem, é-o por direito )
:)
1 comentário:
São assim as (os) gatas (gatos): únicas (únicos).
Um beijp amigo.
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