10/09/09

O caminho das aves


Pelas mãos de um amigo, há uns meses, chegou-me este livro, "O caminho das aves". Ao esbarrar nas palavras do José Casanova, saíu isto:


Há livros que nos engolem, que se avolumam, gigantes, quais ondas envolventes, que nos revolvem, que remexem sentimentos, desordenam conceitos, desferem lágrimas, movem sorrisos…. E fazem girar o mundo num eixo que nos erige no melhor que somos. Ou podemos ser…. E alicerçam fundações de humanidade no desfilar das páginas, alçam sentimentos, hasteando as bandeiras da Liberdade, da Amizade…. E pergunto-me (pergunto-te!), poderão edificar-se valores mais excelsos?!
Este livro inflamou-me numa espécie de sinestesia emocional, pois os conceitos reconvertiam-se, as lágrimas escorriam-me entre sorrisos, “lágrimas doces” que me surpreendiam no despontar de sentimentos tão sublimes, na perfeição de actos que dignificam os homens. Por vezes chorei, “porque chorar é forma outra de rir”.
E eram grandes, estes homens que nasceram do coração do Casanova. Derrubadores de “injustiças que passeiam pela rua com passos seguros”. Que fizeram da luta uma arma e não se acomodaram na espera sem esperança, qual o silêncio da espera infrutífera de Godot. Pelo contrário, a esperança serpenteou toda a trama, sem fingimento, movendo e incitando cada um destes homens no combate solidário (“porque um homem só não vale nada” ) por um futuro em que todos os homens seriam iguais, em que o cuidado colectivo se sobreporia ao interesse individual, sem contudo o inviabilizar. Eram os tais “sonhadores que pensam e os pensadores que sonham”, que reverberavam Marx e Engels. Homens que acusavam a desigualdade (de classes, mas não só…), os abusos das elites escancarados pelo fosso que apartava a luta operária do despotismo político e industrial. Mas que sempre acreditaram e lutaram para que “os vencidos de agora fossem os vencedores de amanhã”.
Reescreveu-se no desfiar deste livro as histórias de meninos que “sonharam sonhos”, que “buscaram caminhos” e se fizeram homens, solidários, corajosos, leais. A cada um deles o atributo singular da Amizade, esse sentimento que é par, que é portentoso.
E traz-nos memórias antigas, “de outros mundos, outras gentes”, revigorando os sonhos que desfizemos no repelão da indigência mundana que nos corrompe e usurpa a cada dia a capacidade de sonhar. E até de lutar…
Este livro vinca-nos. No meu espírito deixou marcas indeléveis, indestrutíveis. E ocupou desde logo o recanto quase secreto da estante dos meus afectos. Está ao lado da Mãe e dos Esteiros, duráveis na mensagem, eternizados, em mim, pelo meu recorrente retorno. E da Cabana do pai Tomás, livro primeiro que me mudou, quando despontava a consciência ainda embrionária de entendimentos que se firmaram pela vida: a Liberdade, a Amizade! Valores que o Caminho das aves resgata. E que reafirma com destreza comovente.
Este livro é, aliás uma apologia de incursões literárias. E musicais. E cinéfilas. Se eu fosse professora de português, como um dia sonhei, remeteria este livro para o cânone académico do secundário, quando os amigos nos surgem quais “bandos de aves que partem juntas e regressam juntas”. Quando despontam os primeiros sonhos, quando
se enforma a nossa luta e começamos a debater-nos por um colectivo humanístico, face à infecundidade do individualismo.
O caminho das aves é sem dúvida um louvor a esta “forma superior de amor “ que é a Amizade.

Enquanto o lia, tive um convite para uma festa de aniversário de uma amiga. Uma amiga que me acompanha há uma vida, entre tristezas e deambulações várias, com quem cresci, que sem dúvida também me fez crescer. Partimos da mesma torga mas ramificamo-nos em sentidos diferentes, e nem isso impediu que a nossa amizade se fincasse e confirmasse em diversos momentos. Quando me convidou para a festa, imaginei de imediato o aparato social que lhe estaria associado, a exuberância, a futilidade…e cogitei uma desculpa para justificar a minha recusa. E assolou-me a consciência pelas palavras discorridas no livro, “entre um cantar do galo e o outro irás trair-me” e pelas palavras dela, “a tua presença é importante para mim”, e quando estava na eminência de lhe mentir para não ir, soou-me a frase crucial que resume toda a moralidade deste livro “A amizade é tudo”, como uma batida insistente e zoante , tão forte que de imediato se pronunciou a vitória. A vitória da amizade. Tam tam tam tam!!! E é claro que eu fui testemunhar a emoção da minha amiga.
Porque a “Amizade é entrega total em troca de nada” !

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

De facto, «a amizade é tudo».

Um beijo.