26/09/09

Arca de Noé - Fim.


Seguiu a gata enquanto pôde. Dissipara-se entre os montes, aterrada de tristeza. Corria aprisionada pelo medo. O medo da sentença que se inflige na verdade...


josé arfava de cansaço, mas insistia. ensinara-lhe, um dia, que o mar era um lago onde fluíam as lágrimas dos homens.... Subiria até ao lume do monte, onde serena, se escoava uma lagoa, em fios prateados fulminados pelo sol.


Avistou uma garça, que fugia apressada no fulgor do céu:
- Viste uma gata, pequena e fulgente, devastada por enganos no releixo da verdade?
- Vi-a relampejar de medo na berma de um lago... Eu levo-te lá, mas não demoro. Perco tempo... tenho a pressa de quem parte.
Deixou-se enlevar com a garça, revolvido em vertigens, arrebatado de vozes insaciáveis do céu, ávido de afectos no clarão do reencontro.

Descobriu-a, desolada, como um vulto fulgurante, debruçada na margem da lagoa, recortada na montanha. Atirava repetidamente as folhas das árvores para a água, e deixava-as ao acaso, para deleite do vento. As folhas deslizavam silenciosas, radiantes na viagem, inquietas navegantes no pequeno chão de água.
- São os navios que resplandecem ao dobrar do horizonte.... - disse a gata , entre lágrimas, que incendiaram o coração de josé. - E agora, dizes-me por fim o que é o mar, josé?
- O mar é um poema... - hesitou o cão, comovido.
- Não mintas, josé... o mar não cabe num poema!


O sol caía de cansaço. As árvores recolhiam-se na balbúrdia da noite. Incansável, o céu aguardava pela lua. O lago escurecia no recato das sombras. As estrelas insurgiam do silêncio dos pássaros.
E no fundo do mar, que carrego em segredo, vi dois seres aninhados pelo mesmo destino.
- Cheguei tarde? - perguntou o poeta, metade gato, metade cão.
- Não. Nunca é tarde para chegar!... a uma vida.

fim.

2 comentários:

Armando Sena disse...

Contadora de estórias...pena os invernos madeirenses não serem mais agrestes para darem um melhor enquadramento a tão belas histórias contadas à luz da candeia sob o ruído tenebroso dos ventos do pico do Areeiro e da ondulação violenta de São Vicente.

svasconcelos disse...

Nota-se que já andaste por cá...)))
Mas estas estórias juvenis podem contar-se em qualquer lugar , até porque qualquer um pode ser um lugar de afectos...
beijos,