Falar do Teatro é mergulhar num amor teimoso que não se arreda de mim há 24 anos. Tinha entrado na adolescência quando fui arrebata pela intensidade,tão racional quanto irracional, do Teatro. Foi uma entrega inquestionável, que no entanto me ensinou a questionar, e a pensar. Um tempo que me roubou tempo de estudo, mas que o devolveu em ensinamentos que ainda hoje se sustentam. Foram sacrifícios enormes, que se compensaram em afectos para a vida. Foi, ainda é, um dos grandes incitadores do meu destino... O Teatro enformou-me. E transformou-me. E estes, creiam, são efeitos milagrosos desta arte.
Há quase um ano, e após anos consecutivos a vivenciar o Teatro "só" como actriz, propuseram-me que desse aulas de Teatro numa instituição que apoia jovens mães ( e menos jovens também) carenciadas. Não hesitei sequer em aceder e muitas terão sido as razões que contribuíram para isso...
A primeira aula foi difícil. Uma das responsáveis transmitiu-me a mensagem de que se eu não quisesse continuar , compreenderia, até porque eu ingressara na instituição como voluntária.
Propus um exercício de integração e apresentação. Protestaram. Perguntei-lhes o que esperavam das aulas, responderam que estavam ali contrariadas. Que ideia tinham do teatro? Não gostavam.
Propus um exercício de integração e apresentação. Protestaram. Perguntei-lhes o que esperavam das aulas, responderam que estavam ali contrariadas. Que ideia tinham do teatro? Não gostavam.
E não mentiam. Entre as carências imensas que lhes ditaram muitas das agruras que a sua pouca idade já experenciou, denunciaram sempre a verdade do seu carácter. Não se imbuíram de mentiras para vingarem na vida, nem das verdades dos outros para se afirmarem.
Saí da aula consciente do meu insucesso, mas decidi que não desistiria. Porque tinha gostado delas, daquelas meninas já mulheres e já mães. Crianças ainda, com estórias escritas a dor, muita dor... e revolta.
Fiquei. E entre a minha insistência e a resistência do grupo, a minha teimosia e os seus protestos (que poderá simbolizar o Teatro a quem mendiga a sobrevivência todos os dias?!), o milagre aconteceu. Foram pequenos milagres, que se assumem gigantes, quando penso no dia-a dia destas meninas, muitas privadas de afecto, outras sem família, sem ninguém que lhes fale de valores, que lhes ensine a sonhar e a vislumbrar o futuro, o seu e o dos filhos que já carregam...
No dia 27 de Março (dia do Teatro) conseguimos participar num festival de Teatro Amador com um pequeno texto,cuja comicidade lhes arrancou inúmeras gargalhadas (inclusive em pleno palco!). Elas que, suspeitei, nem sabiam sorrir... As mais resistentes agora pediam para participar nas actividades. De uma vi despontar um grande sorriso após imensas sessões de obstinação. Ou talvez de tristeza...Outra superou a imensa timidez e até nos contou a sua história de amor. Outras voluntariam-se, agora, para ler, quando antes se envergonhavam de ainda soletrarem as palavras. Interagem positivamente umas com as outras quando antes se atropelavam em incidentes e guerrilhas que, não raras vezes, tive de mediar .... E uma outra, já mais velha, decidiu voltar a estudar numa escola profissional. A iniciativa foi sua, a escolha também. Começou este mês a estudar. Teatro!, quer ser animadora Cultural.
Sem se aperceberem, sei que todas elas, de uma forma ou de outra, foram cativadas pelo irrequieto e sedento "bichinho do teatro". Sei que o Teatro, mais uma vez, se interpôs no trilho dos que, por acaso (ou talvez não) o interceptam, e cumpriu o seu fim sublime: resgatá-los, nem que seja por momentos, do sofrimento que os mina; encorajá-los a debater-se nas dificuldades; embebê-los de afectos e pensamentos... Mas sobretudo, enformando-os. E tranformando-os!
No próximo sábado apresentaremos o segundo espectáculo. Desta vez, a leitura de poemas infantis de Sidónio Muralha, que lerão e interpretarão em público, para os seus filhos e para os filhos de todas as mães.
E corra como correr, não importa, o milagre vai acontecer!
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