06/10/09

Londres







Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro

os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora o linho
mais bordado ou em casas
como aquela onde Rimbaud
comeu e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada

os pássaros de Londres
quando termina o dia e o sol
consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite

os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos.

Mário Cesariny de Vasconcelos in "Poemas de Londres"

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

Pobres pássaros que nunca viram os céus mediterrânicos...

Um beijo.