30/07/10

Vida- António Feio


Há perdas que nos inquietam, sem termos exactamente a compreensão das causas que encetam essa perturbação, ao ponto do pensamento não se arredar dessa perda e divagar em questões nada apaziguadoras.
Só conheci António Feio (e o José Pedro Gomes)de relance, um mero cruzamento quase casual no contexto comum que nos unia: o teatro. Não ultrapassou umas horas (se tanto) em que se trocou a simpatia cordial de colegas da arte em comum ( que tanto amávamos) e, no meu caso, a escuta atenta de quem tinha muito a aprender com os dois. Dizer que os admiro profissionalmente é inevitável, são arautos de talento no género cómico teatral, sobretudo, que aliam a uma ironia cativante e crítica social certeira. Fazem-nos (faziam-nos, em parelha)rir de nós mesmos de uma forma tão sadia!

Mas além disso, a que o meu interesse não era alheio, ressaltou-me a cumplicidade evidente entre os dois, que se traduzia pela expressão mais sublime que a humanidade inventou: a Amizade! "sem condições, que essas só a estragam" e anulam. Como dizia José Pedro Gomes há minutos na televisão, a relação dos dois equiparava-se a um "casamento" onde a grande amizade ressaltava, aliada à reciprocidade do respeito e à evidência de grandes cumplicidades. E à partilha de grandes batalhas , profissionais e pessoais, acrescento eu.

Relembrar que António feio foi um modelo de luta pela vida, não chega. A doença que o acometeu é das mais fulminantes na retracção da vida que carregamos (ou nos carrega, já não sei...)e o António fitou-a durante mais de um ano! Não tenho dúvidas que foi a sua força, optimismo e humor( pelo qual era sobejamente admirado) que o sustentaram neste tempo e o retiveram entre nós. Aliado a isso, e é outra certeza que proclamo, a força (quase invencível) dos afectos na expressão do seu amor imenso pela família e amigos. Só o amor nos ancora na determinação da esperança, dos sonhos e das metas que traçamos!

Sem conhecer profundamente o António Feio, nem ter tido com ele qualquer elo de amizade, estou-lhe profundamente grata. Pelos ensinamentos profissionais, sim, mas sobretudo pela grandeza da sua mensagem , que prenunciava a partida anunciada:

" Aproveitem a vida,e ajudem-se uns aos outros. Aproveitem cada momento, e não deixem nada por dizer"

Acuo perante a dignidade deste carácter. A essência da vida são os afectos! Que se saiba preservá-los e contornar as divergências inevitáveis ( e não raras vezes produto de equívocos e emoções exacerbadas), usando-as como mote para o reforço dos elos que nos ligam. Não deixando de reafirmar o quanto amamos os que queremos, por mais arestas que se interponham entre nós...

Obrigada António Feio!

3 comentários:

César Ramos disse...

Belas palavras escritas e o lado humano enorme revelador do seu lindo interior.
Eu, que ando ultimamente de candeias às avessas com a morte, ou a vida (?), fiquei bem com a leitura do seu post...
Vou guardá-lo naquilo a que chamo: 'as minhas coisas'.
Obrigado.
César

Fernando Samuel disse...

Excelente texto!

Um beijo.

svasconcelos disse...

César Ramos: há perdas irreparáveis e quase inultrapassáveis... um abraço solidário para ti, espero que a dor possa atenuar ou dar lugar a alguma aceitação (dífícil, eu sei...) com o tempo. E talvez a partilha de afecto e as palavras que disseram possam amenizar o sofrimento...:(
um beijo,

Fernando Samuel: Obrigada, um beijo amigo.