18/11/09

o AMIGO Lança

O AMIGO de um amigo partiu... mal o conheci pessoalmente, mas durante quase três anos convivi com a sua presença, exprimida pelas repetidas remetências ao seu nome. O meu amigo exaltava diariamente o "Lancinha", como lhe chamava, ou o "senhor arquitecto", sem que o "Lancinha" tivesse arquitectado alguma coisa, a não ser a grande Amizade que os unia. Todos os dias regavam a "frondosa árvore" da amizade, repetindo rituais e rotinas que passavam por aparentes insignificâncias: mensagens escritas ao acordar, jocosas e provocatórias, a comentar as derrotas do Benfica (para gáudio de um) ou as vitórias do Nacional (para folgança do mesmo); a disparatar sobre a política e despropositar no governo e nos ministros... Esta era uma amizade que se alimentava diariamente à distância que permeia Beja e Viseu. Por várias vezes assisti a conversas telefónicas entre os dois e aqueles minutos eram uma festa, as gargalhadas manavam estridentes e a ironia cómica que as distinguia era contagiante. Era afinal a expressão de uma amizade que nascera há tantos anos no Alentejo e que não se perdera na sucessão de dias que nos remetem para tão longe dos afectos...
Só vi o "Lancinha" uma vez, em Setúbal, mas era como se já o conhecesse. Foi fugaz o nosso encontro, ficou-me na memória um homem simples, sempre risonho, com aquela bonomia alentejana gravada no rosto. Hoje partiu, deixando o meu amigo inconsolável. Há pouco recordava-o comigo, ao telefone, e demos por nós a rir do humor do "Lancinha", das mensagens do "camarada Lança", como era também tratado pelo meu amigo, das peripécias dos seus amores, das histórias que viveram juntos... E rimo-nos. Como a camuflar as lágrimas que o meu amigo não verteu, mas que sei que as solta em surdina...

Horário do Fim

morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos

morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento

Mia Couto


A todos e a cada um dos meus amigos

Por um por todos por nenhum
faço o meu canto a minha mágoa
num desencanto aberto pelo gume
deste pranto tão limpo como a água.
(...)

Joaquim Pessoa

Até sempre "Lancinha"!

4 comentários:

Filipe Rebelo disse...

Li o teu texto e verti lágrimas sem surdina nenhuma. um beijo e um obrigado muito grande à " Dra que melhor trata de si ". Uma expressão, de duplo sentido, que o Lança usava referindo-se a ti.

svasconcelos disse...

Beijo!

Fernando Samuel disse...

Linda despedida!

Um beijo.

svasconcelos disse...

... e triste:(