21/11/09

Poema do Gato

Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?
Sempre que pode
foge prá rua,
cheira o passeio
e volta pra trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre pra mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.
Repito a festa,
vagarosamente.
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas.
e rosna.
Rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.

Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?

António Gedeão *

É um dos poetas que mais gosto, talvez porque teatralizei muito cedo alguns dos seus poemas, e tornaram-se, para mim , inesquecíveis : " Calçada de carriche", "Lágrima de preta", "Pedra filosofal", entre outros, e, claro, este "Poema do gato".
Porque ao contrário do poeta, eu tenho gato. :)

3 comentários:

Fernando Samuel disse...

Gedeão é um daqueles gigantes que nos acompanha sempre...
Um beijo.

Mar Arável disse...

Sempre muito belo

svasconcelos disse...

Fernando Samuel: De acordo.É música que facilmente se trauteia...
beijo

Mar Arável: Tão belo que reincide sempre na memória :)