07/04/11

A Madeira... é um jardim *

** "Partiram sem grandes expectativas. Manhã cedo e sol tímido. Esperava-os uma jovem desconhecida, de sorriso transparente. Estavam apreensivos quanto ao número de participantes na sessão para a qual tinham sido convidados. O tema era Maus Tratos Infantis , a organização pertencia ao Partido Comunista da Madeira, teria lugar numa sexta-feira durante a tarde, num hotel da cidade velha. Quem estaria presente, para além de militantes e simpatizantes do partido organizador? Mas a sala estava cheia - e quem promovia o evento perguntava entre si quem era quem, uma vez que não conhecia metade dos presentes.
Eles já tinham ganho. Sentiram-se mais livres pela maturidade manifestada por todos aqueles profissionais, que já conquistaram o seu lugar ao Sol - Sol que escolhem sem paternalismos nem medos. O debate durou para além da hora prevista. Ficou o embrião de uma delegação da Rede de Cuidadores na Madeira. Como não arrumam as pessoas por partidos, mas procuram escolhê-las por acções e práticas, sentiram-se disponíveis para voltar, a convite seja de quem for. A procissão ainda vai no adro. Pela noite, enquanto comiam espada com banana ou espetada em folha de loureiro, foram avivando o conhecimento da luta travada naquela região autónoma, durante anos, pelo padre Edgar, no que respeita à prostituição infantil, à pedofilia, à pobreza radical que está geralmente na origem destes fenómenos. Hoje, a realidade parece ter mudado para melhor mas como em todo o mundo estes crimes não deixaram de existir. O padre Edgar foi preso por lutar pelos mais frágeis dos seus conterrâneos - enquanto o padre Frederico foi comparado numa outra Quaresma, pelo bispo emérito da Madeira, a «Jesus Cristo no percurso da Paixão». Não adianta escandalizarmo-nos - o que é preciso é convertermo-nos. Só a verdade é libertadora em tempos de tanta hipocrisia. Sexta-feira à noite já as expectativas tinham transbordado tudo o que haviam previsto. Havia interlocutores que, mesmo perseguidos, resistiam - serenos e sem ódio. A serenidade de quem sofre perseguições em nome da Justiça sempre os espantara, embora alguns acreditem que esses são os bem-aventurados.

No sábado, antes do regresso, foi o tempo das peregrinações . De manhã, ao centro da cidade do Funchal - que o grupo há um ano tinha visto submerso nas imagens televisivas e onde hoje quase não há sinal da catástrofe. Lá em cima, nas montanhas, ainda há muito que fazer - diziam-lhes; mas aqui, na cidade turística, que dá o pão de cada dia a centenas de pessoas, tudo parece ter sido limpo por gigantes bons, que emprestaram a sua força ao espírito resistente de homens e mulheres comuns e empreendedores.
Almoçaram em Câmara de Lobos e partiram para Machico a retribuir ao padre Martins Júnior uma visita que fizera a Lisboa, quando um deles brincava entre a vida e a morte a combater um cancro ruim. Eu sou cristã, muitas vezes católica, os meus companheiros são agnósticos. Quando nos mostrou a igreja, tocou-nos a todos a simplicidade das flores, talvez criadas nos quintais dos paroquianos, e umas imagens pequenas, dispostas discretamente, no Altar-mor. Vindos da luz exterior, alguns de nós não percebemos à primeira do que se tratava. «É a Via Sacra. Este ano decidimos reflectir sobre o papel das mulheres durante a Paixão de Cristo; vejam Maria, mãe de Jesus, Verónica, Maria Madalena.». Aquelas que tiveram menos medo; ou o dominaram melhor. Subiram ao sótão, aproveitado para presbitério e sala multiusos, onde se ensina catequese e se aprende música. Retratos grandes de Ghandi, Madre Teresa de Calcutá, Zeca Afonso, Martin Luther King, padre António Vieira entre outros. Homens e mulheres que estarão juntos seja onde for esse espaço ou tempo, e que ali coabitam sob os braços largos de um crucifixo onde com eles está Jesus Cristo. Começaram a chegar os garotos. Eram adolescentes iguais aos que desertam nas outras paróquias que todos conhecemos. Quando regressaram, um dos do grupo, homem jovem, grande e agnóstico assumido, disse para a mulher: «Se alguma vez te quiseres casar pela igreja, tem de ser aqui». "

* Crónica da Dra. Catalina Pestana do dia 1 de Abril de 2011 no semanário "Sol".
** Na foto: Dra. Catalina Pestana, Sr. Padre Martins e Pedro Namora em frente à (tão bela, creiam..) igreja da Ribeira Seca , em Machico.

3 comentários:

Fernando Samuel disse...

Excelente crónica.

Um beijo.

Maria disse...

Foi uma excelente iniciativa!!!
:))

Beijinho.

svasconcelos disse...

Fernando samuel: penso o mesmo, e tê-la vivenciado antes de ter despontado em papel faz-me senti-la ainda mais.:) beijo,

Maria: foi, sim. E, se tudo coerrer bem, deixará refilos por cá em forma de projectos...:)beijo,