13/02/11

Poema

A maior das maravilhas é viver
mas não me empurrem para a vida
sem que eu queira. Não me dispam,
não me vistam, não me lavem sem
que me apeteça. E não dêem números
às almas, às coisas que são mais importantes,
não atribuam um número à esperança,
outro à minha angústia e outro à liberdade,
ou um só número para tudo o que sou
e para tudo o que sinto. Um número
tatuado na pele humana da notável
condição de ser pensante. Não afoguem
a água. Não aqueçam o sol. A maior
das melhores maravilhas é viver
sem profissionais do empurrão. Os que esperam
lucrar alguma coisa com a queda, chegar-se
à frente no gabinete das soluções precárias.
Não quero que me convidem nem me impeçam
de viver como gosto, como quero, como espero,
ou de outra forma qualquer. Não se ponham
na minha frente, nem me empurrem.
Deixem-me caminhar como eu quiser,
se eu quiser. Deixem-me pensar como eu
quiser, se eu quiser. Deixem-me, apenas.
Não me segurem. Quero escolher.
Quero ser o que bem me apetecer!
Formidável, amável, doente, diferente
ou indiferente. Permitam-me que escolha,
que faça apenas o que me der na bolha,
que diga porra!, basta!, vão-se embora!
e deixem-me ficar. Quero permanecer
caído, traído, vencido, emparedado,
ou sacudir de vez a água das traições
e ferrar o dente na mentira, gritar se fôr
preciso. Mas fazer doer quando morder.
Não me toquem, não me abracem, não me finjam
sentimentos. Há momentos que não posso suportar.
Deixem-me ser como o mar, como o deserto:
ser perto ao longe e longe ao perto. Ou ser,
apenas ser. O que eu for capaz, afinal, o que eu
quiser, porque quero, porque posso, porque
de nada serve querer mudar-me. Não me toquem
como se eu fosse uma bola de cristal, uma
cobra, uma barata, uma coisa, um animal.
Deixem-me estar sozinho. Assim, sozinho,
tão sozinho que não precise de ninguém,
muito menos de quem se sente no direito
de empurrar. Ou impedir. Não me façam
um dos vossos, um previsível, um sensível
à rotina das esperadas pulsações. Não quero
dar, nem quero que me dêem soluções. Nem
sequer convosco conversar ou fazer parte
seja do que for. Retirem-se. Retirem-me
a vergonha de me estar a transformar
no que é pior que tudo e eu não mereço:
no número 103 420 894. Por favor,
é isso, só isso, que vos peço.

Joaquim Pessoa

5 comentários:

Maria disse...

Este Joaquim Pessoa 'mata-me'...
Obrigada!

Beijinhos.

Armando Sena disse...

Um verdadeiro murro no estômago.

samuel disse...

Em grande forma!!!

Abreijos.

Fernando Samuel disse...

Um pedido que é... uma exigência...

Um beijo.

svasconcelos disse...

Maria: eu compreendo-te Maria, também a mim:)) beijo,

Armando: já te disse e torno-o público outra vez: um dia, assim que possível, vou oferecer-te um livro do Joaquim Pessoa!:) beijo,

Samuel: é bom, mesmo!:) beijo,

Fernando Samuel: e um direito! um beijo,