06/01/11

Da inépcia como virtude

(ou o infortúnio dos portugueses, digo eu ...)

"Devo confessar, à puridade, um desejo modesto, porém ardente: gostava de que o Presidente fosse um homem culto, lido, cordial e descontraído. Não o é. E o meu recatado desgosto consiste no facto de ele desencadear, com as deficiências culturais e aleijões de carácter que demonstra, um generalizado reflexo condicionado. Os dez anos que levou de primeiro-ministro constituíram um cerco e o esmagamento das desenvolturas e das exaltações que o 25 de Abril nos tinha proporcionado. O País cedeu ao mito do político severo, austero, hirto e denso. E admitiu, como sua, a imagem brunida que ele expunha. Um chato. Mas um chato perigoso por aquilo que representa.
Nada tenho de pessoal contra o senhor. Ele pertence a uma sociedade velha e relha, que apenas assegura formas de autoritarismo. Estes cinco anos de Presidência acentuaram o infortúnio. Os debates nas televisões foram expressivos do desagrado que algumas intervenções causavam no dr. Cavaco. Trejeitos de ira, e contorções dos músculos faciais, movimento descomedido dos lábios, frases desmedidamente agressivas. A medonha panóplia de exercícios paliativos forneceu-nos a estirpe do indivíduo e a compleição do político.
O pior foi o discurso da quadra. Se o de José Sócrates representou a vacuidade total, o do dr. Cavaco fundamentou a admissão de uma era vindoura de incertezas. Apenas a reiterada advertência de que "eu bem avisei a tempo". O disperso, confuso e absurdo afastamento de responsabilidades que também lhe cabe. Depois, o caso do BPN e da Caixa Geral de Depósitos. Então, as debilidades da natureza moral do candidato emergiram de roldão. Ao acusar de incompetência a administração do banco das fraudes, trucidou alguns dos seus antigos comparsas de Governo, entre os quais o perplexo e honesto Faria de Oliveira. Procedeu como o fizera com Fernando Nogueira, Santana Lopes, Fernando Lima: serviu-se e descartou-se. Perante as acusações de tibieza que lhe foram feitas, o homem, atabalhoadamente, tentou proteger-se usando o pretexto que lhe é comum: disse que não dissera o que tinha dito e acusou os jornalistas de interpretação abusiva. Uma televisão retransmitiu a verdade dos factos e as declarações proferidas. Nem por isso o prevaricador se retractou.
Já cansa repetir que o dr. Cavaco é um incidente desgraçado na nossa história próxima recente. Metáfora de um país sem juízo, também não chega. Ele resulta de uma confusão entre a ignorância e a beatífica admissão de uma cultura de aparências. Surpreende (o não?) haver gente de envergadura intelectual e moral a apoiar, para reeleição, uma criatura que, por incultura, inépcia e desadequação nunca encontrou a fórmula de viver e de actuar perto das questões e do coração dos portugueses. "

BAPTISTA-BASTOS

5 comentários:

Fernando Samuel disse...

Já tinha lido: é um muito bem texto.

Um beijo.

O Puma disse...

O país das novelas

adora ser estupidificado

pelo poder inculto

Tenho tudo contra Cavaco
incluindo as suas impressões digitais

Armando Sena disse...

Coelho ao Poleiro, será?
Uma bandalheira esta campanha. Quando nos transformamos num país a sério onde haja verdadeiras campanhas eleitorais ou, melhor, que nem sejam precisas essas campanhas?

salvoconduto disse...

"Ao acusar de incompetência a administração do banco das fraudes,..."

Há aqui qualquer coisa que não estou a entender no texto de BB. A Caixa é que é o banco das fraudes? Vai lá vai...

svasconcelos disse...

Fernando Samuel: também achei:) beijo,

Puma: um país que vota cavaco só pode mesmo adorar o poder inculto e estúpido. beijo,

Armando:Não tem sido uma campanha digna de uma eleição como esta (ou outra qualquer que se conheça), mas nem todos os candidatos se têm portado como palhaços, arrogantes, seráficos, troca-tintas. Para mim, há um que destoa da "bandalheira", e se não fosse por mais, seria pelo simples facto de ser o único que se assume e se compromete com a esquerda: Francisco Lopes.
Beijo

Salvoconduto: a Caixa também é outra fraude, pois então!
bem-vindo:)
bjs,