11/12/10

Uma censura financeira à Liberdade de criação

Por Joaquim Benite:

Os cortes ao teatro, como já vimos, vão agravar mais ainda as condições gerais da economia. Além do desemprego que provocam têm, na presente situação de crise, um outro efeito perverso: vão repercutir-se directamente nos orçamentos familiares dos espectadores, já castigados com cortes salariais, aumento geral do custo de vida, redução das regalias sociais, congelamento de pensões, custos agravados na saúde e na educação, etc., num quadro em que o universo de pobreza se alarga diariamente e as condições de vida se deterioram de forma drástica. Os criadores não podem deixar de ser sensíveis a esta situação, que implicará certamente sobressaltos na sua actividade.

Mas, mesmo assim, estarão condenados à derrota todos os procedimentos e propostas que visem amarrar os criadores a uma técnica, qualquer que ela seja, ou a um sistema que condicione a sua acção, porque justamente o que distingue o artista é que tendo ele que adoptar uma estética e uma ética, essa estética e essa ética não podem deixar de ser, obrigatoriamente, uma estética e uma ética próprias.

Na natureza do teatro – ou, de um modo geral, da poesia – está a insubmissão. A arte teatral, como as outras, é um longo diálogo que preenche uma vida e necessita de muitas vidas em várias gerações para se desenvolver. As interrupções bruscas deste diálogo e as perturbações que os parâmetros que se pretende impor à liberdade criativa determinam, constituem a consequência mais desastrosa para o País e para as futuras gerações, pois afectam a independência da criação.

Não será, evidentemente, por causa dos cortes que as Companhias vão sofrer que o teatro português, no seu conjunto – dentro das largas e provadas tradições de solidariedade e de consciência cívica –, deixará de dar voz, como é sua obrigação, à dolorosa situação que, em todo o País, afecta os milhões de pessoas entre os quais se encontra o seu público. Os teatros de Arte, comprometidos com o pensamento e a reflexão e conscientes da sua função cívica, não deixarão de encontrar, naturalmente, como está a suceder em toda a Europa, um papel no protesto e no esclarecimento. A tentativa de reduzir a sua acção utilizando os instrumentos administrativos da censura financeira sairá lograda.

Aos cortes aos teatros espalhados pelo País juntam-se os cortes impostos pelo Orçamento do Estado aos orçamentos das Autarquias, que têm tido uma acção essencial em muitos projectos consolidados e em progressão, tornando mais difícil o seu papel determinante no desenvolvimento artístico e cultural.

O corte orçamental ao TMA é, também, uma cilada montada à cidade de Almada, à sua identidade e ao seu protagonismo. É um ataque a uma Autarquia que, pela sua actividade cultural exemplar, ganhou o respeito de todo o País e é hoje, com o seu Teatro, a sua Companhia e o seu Festival Internacional, uma referência mundial de qualidade artística, de vitalidade, e de modelar capacidade de organização. O prestígio de Almada contribui para o prestígio de Portugal no estrangeiro. O TMA vai continuar a fazer o que sempre fez desde há 32 anos: Vamos lutar, Vamos reagir!

2 comentários:

Fernando Samuel disse...

Lutar!: assim é que é!

Um beijo.

svasconcelos disse...

Fernando samuel: é o caminho cada vez mais necessário, cada vez mais urgente!... Um beijo,