31/05/10

Dia mundial da criança

OS OLHOS DAS CRIANÇAS

Atrás dos muros altos com garrafas partidas
bem para trás das grades do silêncio imposto
as crianças de olhos de espanto e de medo transidas
as crianças vendidas alugadas perseguidas
olham os poetas com lágrimas no rosto.

Olham os poetas as crianças das vielas
mas não pedem cançonetas mas não pedem baladas
o que elas pedem é que gritemos por elas
as crianças sem livros sem ternura sem janelas
as crianças dos versos que são como pedradas.

Sidónio Muralha

Há um ano e meio, li o livro enunciado na foto. Não me cabe discorrer sobre o processo que relata, nem é o meu propósito aqui, não obstante o facto de achar que este livro, um dia, será uma peça fundamental para a reconstituição histórica do processo, e averiguação de verdades que ficaram silenciadas.

A escolha desta fotografia prende-se essencialmente com o título "A dor das crianças não mente", uma verdade irrefutável, que qualquer sensibilidade apreende de imediato.

O poema de Sidónio Muralha , dos mais comoventes e enternecedores que conheço, reafirma-o.

Por isso, roubando a mensagem ao poema: "gritemos por elas", as crianças "com lágrimas no rosto e medo transidas", as que "nunca foram meninos" , as que não mentem quando a dor as tolhe, e corrói a infância.
Porque não há dor capaz de mentir! Sobretudo a das crianças!

Louvor do Revolucionário



Quando a opressão aumenta
Muitos se desencorajam
Mas a coragem dele cresce.
Ele organiza a luta
Pelo tostão do salário, pela água do chá
E pelo poder no Estado.
Pergunta à propriedade:
Donde vens tu?
Pergunta às opiniões:
A quem aproveitais?

Onde quer que todos calem
Ali falará ele
E onde reina a opressão e se fala do Destino
Ele nomeará os nomes.

Onde se senta à mesa
Senta-se a insatisfação à mesa
A comida estraga-se
E reconhece-se que o quarto é acanhado.

Pra onde quer que o expulsem, para lá
Vai a revolta, e donde é escorraçado
Fica ainda lá o desassossego.

Bertold Brecht

29/05/10

QUEM FICA EM CASA QUANDO A LUTA COMEÇA



Poema de Brecht, surripiado do Anónimo do séc. XXI, e que resume porque "VALE A PENA LUTAR!,<> SEMPRE! :

Quem fica em casa quando a luta começa
E deixa os outros combater p'la sua causa
Tem de ter cuidado: pois
Quem não partilhou da luta
Partilhará da derrota
.
Nem sequer evita a luta
Quem evita a luta: pois
Lutará p'la causa do inimigo
Quem não lutou p'la própria causa.

Bertold Brecht
"QUEM NAO LUTA, PERDE SEMPRE"...

28/05/10

Posição contra o PEC

1. O Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013 (PEC) não é uma lei nem virá a sê-lo. O que foi aprovado na AR, com os votos favoráveis do PS e a abstenção complacente do PSD, é uma resolução. Cada uma das medidas terá que ser discutida e votada quando o governo apresentar a respectiva proposta de lei. O PEC não é inevitável, a orientação política que consagra não é a única possível.

2. Numa Europa prisioneira, também ela, da crise dos modelos monetaristas e neo-liberais, e incapaz de uma estratégia de desenvolvimento, o PEC amarra Portugal a uma política económica subordinada à redução abrupta do défice orçamental, e que só levará à estagnação económica e ao agravamento das injustiças sociais, ao alargamento da distância que separa o nosso país dos países económica, cultural e socialmente mais desenvolvidos.

Estagnação económica: As medidas contidas no PEC insistem num modelo errado que pretende basear o crescimento, numa política de baixos salários e no aumento das exportações. As novas privatizações previstas traduzir-se-ão, tal como no passado, na alienação pelo Estado de importantes fontes de receitas, de instrumentos económicos e alavancas de uma política económica. A sua venda, num contexto de desvalorização bolsista, não reduzirá a dívida pública que, pelo contrário, continuará a crescer, enquanto baixará o nível de satisfação dos direitos e necessidades dos trabalhadores e das populações.

Portugal é já um dos países mais desiguais da União Europeia. As medidas propostas no PEC implicam o agravamento das desigualdades sociais. Significam congelamento dos salários e das pensões; uma política fiscal injusta que atinge os trabalhadores por conta de outrem e mantém intocados os elevados lucros da banca e as mais-valias provenientes da especulação bolsista; a redução do poder de compra das prestações sociais; o das dificuldades de acesso ao subsídio de desemprego.

As privatizações, e as políticas de desinvestimento público inserem-se numa lógica de desresponsabilização do Estado em relação às suas funções económicas, sociais e culturais, e agravam os importantes défices existentes em todas as dimensões do desenvolvimento nacional, sejam no plano económico, sejam nos planos social, educativo e cultural.

3. É urgente um programa económico que assente:

Em uma política que valorize salários e pensões com base numa mais justa e equilibrada distribuição da riqueza e a dinamização do mercado interno.

Na defesa da produção nacional, com o fomento de uma indústria baseada em produtos de alto valor acrescentado, que promova a qualificação e incorpore trabalhadores mais qualificados.
No reforço do investimento público, do sector empresarial do Estado e do cumprimento pelo Estado das suas funções sociais.

Em uma política fiscal que contribua para a justiça social, a satisfação das necessidades do Estado e o equilíbrio das contas públicas.

Na criação de emprego, o combate ao desemprego, o apoio aos desempregados, como forma de protecção e dignificação do trabalho.

Na iniciativa política do Estado português, junto da União Europeia, visando a renegociação do calendário de diminuição da dívida pública e a diminuição das comparticipações nacionais nos programas co-financiados, tendo em vista a potenciação das verbas disponíveis.

Na consolidação orçamental com base no crescimento económico.

Os signatários, trabalhadores intelectuais que desenvolvem as suas actividades no campo do ensino e da investigação científica, das artes e das letras, da saúde e da comunicação social, da arquitectura e da engenharia manifestam o seu compromisso com a construção de uma política democrática; a sua posição contra a repetição dos erros passados e pela concretização, para a qual este PEC em nada contribui, do projecto nacional que a Constituição da República Portuguesa consagra.

http://100mais1contraopec.blogspot.com/

Parabéns, Sra. Gata


Hoje, esta Sra. Gata , faz 15 anos!

O pormenor (lamentável, pronto...) de ser no dia 28 de Maio, é rapidamente esquecido, face à amizade que me devotou ao longo destes anos. :)))

Reparo agora que me acompanha há, quase, metade da minha vida... É uma grande companheira! Um ser meigo, dócil, sedutor e com graça, que no entanto também se afirma de garras em riste, quando atentam contra si... É uma gata que já se vai rendendo aos anos, pouco caça, e dorme a maior parte do tempo, porém ainda preserva a capacidade de brincar e interagir comigo. Ainda hoje, na maior parte dos dias, vai esperar-me à porta quando chego. Continua a acordar-me de madrugada e mia incessantemente ( e irritantemente, confesso...) enquanto não me levanto. Continua a dar-me marradinhas de afecto e, não raras vezes, se aninha em mim a ronronar e a "massajar-me" com as patinhas de garras recolhidas, enternecida.

Por vezes, persegue-me pela casa com uma lealdade canina, e aparentemente sem qualquer interesse, como se pretendesse apenas acompanhar-me. Surripia-me os elásticos do próprio cabelo e da carteira,onde os guardo; abre gavetas para os tirar, além de roupa e papéis, que espalha pelo chão. Quando como, investe-me o prato para o cheirar e provar, e à minha reprimenda, invariavelmente, vai para o seu próprio prato como se quisesse "acompanhar-me" na refeição.

À noite, deita-se ao meu lado no sofá enquanto leio, e dorme. Quando me vou deitar, sou eu que a pego ao colo e a arrasto para o pé de mim. Aninha-se aos meus pés e ali fica, como a velar-me, toda a noite.

E hoje, celebro mais um ano na sua companhia. É um orgulho, de "dona" "babada" e piegas ! :)))
Há pouco, um amigo, que também faz anos hoje, gracejava-me por sms: " A gata nasceu no 28 de Maio, mas é comunista, certo?!".
Com tanta camaradagem, meu amigo,que mais podia ser?:))

26/05/10

Espero

Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.


Sophia Mello Bryener

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome

no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

Um poema colossal, denunciador de um dramatismo imenso, de um sofrimento intransponível, que o tempo, talvez, repare...

25/05/10

Coerência

Indago-me tantas vezes sobre a essência deste conceito, e facilmente discorre a definição elementar de que será a consonância entre o que se pensa e diz, e o que se faz e pratica, conferindo consistência real a grandes almas, como se se tratasse de uma unidade interior, não contraditória, orientada numa certa lógica de códigos e condutas...não fragmentada, não parcelar (poder-se-á ser coerente numas coisas e noutras não? Poder-se-á defender uns valores e, em oposição, macular outros? Fazer bem a uns e mal a outros?).
A coerência pressupõe a coesão entre as palavras que se reverberam com convicção, e os actos que as consubstanciam, num processo ético, optativo e voluntário... É certo que não somos rígidos, que nos multiplicamos em pensamentos e nos estendemos em cogitações que suscitam dúvidas, mas, acima de tudo, somos, temos de ser, Homens inteiros!...

... "com a responsabilidade, acrescida, de sermos (ou tentarmos ser) melhores",
"sem pão, mas com razão".

O Assombro da Incoerência do Nosso Ser

Sou um mero espectador da vida, que não tenta explicá-la. Não afirmo nem nego. Há muito que fujo de julgar os homens, e, a cada hora que passa, a vida me parece ou muito complicada e misteriosa ou muito simples e profunda. Não aprendo até morrer - desaprendo até morrer. Não sei nada, não sei nada, e saio deste mundo com a convicção de que não é a razão nem a verdade que nos guiam: só a paixão e a quimera nos levam a resoluções definitivas.

O papel dos doidos é de primeira importância neste triste planeta, embora depois os outros tentem corrigi-lo e canalizá-lo... Também entendo que é tão difícil asseverar a exactidão dum facto como julgar um homem com justiça.
Todos os dias mudamos de opinião. Todos os dias somos empurrados para léguas de distância por uma coisa frenética, que nos leva não sei para onde. Sucede sempre que, passados meses sobre o que escrevo - eu próprio duvido e hesito. Sinto que não me pertenço...
É por isso que não condeno nem explico nada, e fujo até de descer dentro de mim próprio, para não reconhecer com espanto que sou absurdo - para não ter de discriminar até que ponto creio ou não creio, e de verificar o que me pertence e o que pertence aos mortos. De resto isto de ter opiniões não é fácil. Sempre que me dei a esse luxo, fui forçado a reconhecer que eram falsas ou erróneas.

Raul Brandão

24/05/10

Maio, Trabalho e Luta

Sendo também a poesia "uma arma ", isso ilustra-se neste livro, publicado recentemente. A poesia não é indissociável das emoções e são estas que impulsionam as maiores lutas da humanidade.
A poesia, não raras vezes, "derrubou regimes", insurgindo-se num protesto único, onde o grito e a palavra, imbuídos no coração, despontaram em LUTAS.
Este livro tem o prefácio de José Casanova, que relembra e bem que "a poesia é um instrumento, entre outros para transformar o mundo", por isso "A POESIA RESISTE" !
Entre tantos poemas, optei por abrir o livro aleatoriamente e calhou-me (nos) este poema:

ITINERÁRIO

Os milhares de anos que passaram viram
a nossa escravidão.

NÓS carregámos as pedras das pirâmides,
o chicote estalou,
abriu rios de sangue no nosso dorso.
NÓS empunhámos nas galés dos césares
os abomináveis remos
e o chicote estalou de novo na nossa pele.
A terra que há milhares de anos arroteámos
não é nossa,
e só NÓS a fecundamos!
E quem abriu as artérias? quem rasgou os pés?
Quem sofreu as guerras? quem apodreceu ao abandono?

E quem cerrou os dentes, quem cerrou os dentes
e esperou?

Spartacus voltará: milhões de Spartacus!

os anos que aí vêm hão-de ver
a nossa libertação.

Papiano Carlos

Ao acaso, escolhi um belo poema, bem a propósito das lutas que aí vêm.
Já no dia 29 !

20/05/10

Até já

Amiguinho de Paço de Arcos, suponho que em preguiça pós-pandrial (era por hora de almoço...)

Catarina Eufémia

Enquanto houver alguém que ouse defrontar a injustiça e empunhar a sua determinação na luta pela dignidade dos homens, Catarina Eufémia não será esquecida.
Há 56 anos, morria por lutar pela igualdade. E por querer o justo pão para os filhos...


"O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua

Sophia de Mello Breyner Anderson

19/05/10

A Metáfora e o Tango


Por Baptista-Bastos no DN de hoje

Não dei a mão ao Governo: dei a mão ao País", disse Pedro Passos Coelho. É uma metáfora sorridente, destinada a justificar o conúbio deste PSD com o PS que por aí penosamente se move. A metáfora é uma forma de encantamento, e a dissimulação do que se não deseja abertamente dizer. Ao pretender salvar a pátria, deprimida e confusa, com um tropo linguístico, Passos coloca Sócrates num lugar errante e subalterno. Por seu turno, este, em Espanha, enche aquele de elogios, utilizando, também, uma metáfora, a do tango, para afirmar, ante uma plateia estupefacta, ter, agora, com quem dançar. Uma cena deprimente.

Sócrates já esvaziara de direcção e de sentido a sua política e a sua presunção. Mentiras, omissões, deambulações absurdas, uma certa pusilanimidade decisória tinham-lhe apagado o estilo e embaciado o retrato. Falou-se em arrogância o que, de facto, era falta de convicção, ausência de livros, ambiguidade ideológica. Está a descer rapidamente a rampa. Não sinto o mais escasso contentamento com dizer isto; pelo contrário.

Pedro Passos Coelho apercebeu-se da debilidade. E, igualmente, da oportunidade surgida das indecisões do adversário e do evidente mal-estar no PS. Até o cauteloso e matreiro Seguro, que sempre preferira expressar-se com frases evasivas e castos comentários, começou a protestar, no objectivo essencial de tomar lugar no proscénio. O PS anda numa deriva interminável e só agora o cândido moço desperta, com sobressalto. António José Seguro não passa, realmente, do rasto das coisas.

Quanto a Passos Coelho, ele sabe que não embarcou numa aventura perigosa. Se Sócrates cair, ele não se estatela porque desempenhou o bondoso papel de preferir a pátria ao partido. Acaso Sócrates sair vencedor destes imbróglios e surja aos olhos dos paisanos como a Fénix renascida, Passos Coelho desfrutará do lugar daquele que procedeu a grandes magnitudes e a decentíssimos comportamentos políticos.

José Sócrates talvez ainda se não tenha apercebido, ou apercebeu- -se e gosta da vaidade lisonjeada, de que está rodeado de sabujos, uma gente degradante, para quem o exercício de pensar é uma embaraçosa maçada. Basta assistir aos preopinantes que o defendem para aquilatarmos da natureza dos seus caracteres e da substância do que dizem. O caso da protelação do apoio a Manuel Alegre é uma pequena vingança de pequenos medíocres, sem aprumo nem grandeza, que chegam a espadeirar-se no insulto rasteiro.

O Governo é um descalabro, e o PS um partido enfermo pelo poder. Há uma corrosão acentuada na sociedade portuguesa. A impostura adquiriu carta de alforria: ninguém é culpado, ninguém é responsabilizado. Quem nos acode?

15/05/10

Desabafo, em escrita livre...


Os sentimentos escorrem como os veios nas encostas. Mudos e visíveis.
Quando irrompeste neste vale recôndito e frágil, acolhi-te com a paixão de quem recebe o que sempre ansiou. Sem freios, que logo se transmutaram no medo da dor que, desde sempre, me infligiste.

Foi um tempo, em que os sentidos se aviltavam na mira de te ter. Os pensamentos cingiam-se à proximidade de te ver. Toda eu, fui entrega, sem condição, sem restrição…
Não me arrependo, pese embora esta dor que não passa. Repetiria tudo, mesmo ciente da frieza e desprezo, que em todo este tempo, me minou.

Foste quem quis e amei. Nos meus excessos e defeitos, que me estreitaram a ti, que me apartaram de ti… Acolhi-te no mais doce de mim, embalando as tuas dores e carências.
Irei-me na tua crueldade, quando, por mais de uma vez, me ditaste ao abandono do silêncio e do desdém.

Amei a tua força e carácter. Esse teu ser agitado e nervoso, aninhado em memórias de afecto e valores. Esse teu suplício inquieto de justiça. O teu desassossego…
A tua luta pela integridade, por um mundo menos desigual. A tua frontalidade destemida e arrojada. O teu sorriso e insanidade sadia. O teu humor incongruente e irónico. A tua voz de cadência doce. Os teus lábios pejados de vida. O teu corpo exaltante e trémulo. Os teus abraços gigantes, de menino. O teu olhar de brilho triste. As palavras mudas que dizias. A poesia de todo o teu ser…

Mas a exaustão apossou-se de mim, o desespero de saber que jamais te teria. A tristeza de me saber apenas o momento que te arredava do tumulto doloroso da existência. Era só uma passagem entre os riachos que discorriam no teu ser… Logo te esvaziavas de mim, de cada vez que eu me insuflava de ti.

E eu sonhava… com as promessas que não cumpriste. Com as palavras ébrias que um dia proferiste.

Enternecia… Com as coincidências que trazíamos, o mesmo olhar, um pensamento comum que confluía na raiz de um ideal, a mesma cepa de onde partimos, apartados pelo mar e pelo tempo… Éramos “gémeos”, concordámos um dia.

E eu acreditei.

Silêncio


Um grande poeta, um dos "últimos românticos", como alguém o nominou. Da sua poesia, qual rochedo de basalto, que lhe atormentou a infância, vagueiam filões de palavras, eixos brutos de emoções, contundentes, e comoventes...

Uma noite,
quando o mundo já era muito triste,
veio um pássaro da chuva e entrou no
teu peito,
e aí, como um queixume,
ouviu-se essa voz de dor que já era a tua
voz,
como um metal fino,
uma lâmina no coração dos pássaros.

Agora,
nem o vento move as cortinas desta casa.
O silêncio é como uma pedra imensa,
encostada à garganta.

José Agostinho Baptista
http://www.jabaptista.com/

14/05/10

Princípio



Outro poeta, a que me é difícil não retornar. Como o pseudónimo o designa, a sua poesia, como a torga, irrompe da aridez dos solos com uma força de raíz que arrebata, e comove...

Não tenho deuses. Vivo
Desamparado.
Sonhei deuses outrora,
Mas acordei.
Agora
Os acúleos são versos,
E tacteiam apenas
A ilusão de um suporte.
Mas a inércia da morte,
O descanso da vide na ramada
A contar primaveras uma a uma,
Também me não diz nada.
A paz possível é não ter nenhuma.

Miguel Torga, in 'Penas do Purgatório'

13/05/10

Director do DN da Madeira demite-se por pressões de Jardim

O jornalista Luís Calisto demitiu-se de director do Diário de Notícias (DN) da Madeira. A decisão é "emergente do regime de excepção criado à comunicação social madeirense" pelo presidente do governo regional, Alberto João Jardim, explica hoje em editorial em que lamenta a complacência dos órgãos de soberania face à "estranha democracia" na Madeira e aos "criminosos atentados contra a liberdade de imprensa na região de que têm conhecimento

Calisto acusa Jardim - “habituado a estracinhar adversários e até companheiros seus na praça pública, e a fazer bullying com a imprensa” - de numa “manobra vil e crapulosa” ao procurar afastá-lo da direcção do maior jornal regional do país.

Além de denunciar “o sufoco e cerco” ao DN da Madeira “congeminado e perpetrado” por Jardim “para concretizar o seu antigo projecto de fechar” o centenário matutino madeirense, Calisto critica a sua “estratégia de desvirtuar o mercado regional dos media, passando expressamente a beneficiar em 1992 um jornal concorrente - o Jornal da Madeira (JM) - com uma verba anual astronómica”: 42 milhões de euros na última década que corresponde a cerca de dois euros por exemplar.

Calisto acusa ainda o presidente do governo regional de utilizar “os actos públicos para intimidar os empresários” que anunciavam no DN da Madeira, de reduzir “praticamente a zeros a publicidade oficial” neste diário, entregando-a na quase totalidade ao JM, e de dar “ordens às instituições públicas dependentes do governo regional para cortar as centenas de assinaturas” da publicação que dirigiu nos últimos cinco anos, depois de ter deixado a direcção da RTP-Madeira.

Afirma ainda que, “não satisfeito com os atropelos à lei para levar este diário à falência”, numa “escalada perversa sem escrúpulos” que implicou um “doloroso processo de despedimento” de jornalistas, Jardim passou o JM a gratuito, aumentando a sua tiragem de cinco mil para 15 mil exemplares com “delirantes custos cobertos integralmente pelos impostos do povo”.

Por fim, Luís Calisto lamenta que, apesar de terem “conhecimento dos criminosos atentados contra a liberdade de imprensa na Madeira, o Presidente da República, a Assembleia da República, a ERC, os tribunais, os partidos políticos, o governo de Lisboa” não tenham actuado. “Infelizmente, o que esses dignitários e instituições fazem é vir cá elogiar 'a superior qualidade da democracia na Madeira' e a 'obra' realizada pelo 'democrata' dr. Jardim”, conclui.

In jornal O Publico, 13/05/2010, por Tolentino Nobrega
http://www.publico.pt/Local/director-do-dn-da-madeira-demitese-por-pressoes-de-jardim_1437040

Não temos nós, enquanto cidadãos e membros de um povo eleitor, responsabilidade perante esta insanidade política? Que inimputabilidade é esta, dos governantes, que lhes confere o direito ao despotismo?!

Homem, Abre os Olhos e Verás



Gosto de retornar a alguns poetas, e Armindo Rodrigues é um deles. Quando o leio entreabre-se-me um novo olhar que derruba o óbvio e o imediato. São leituras que dimensionam a grandeza da condição humana, sob uma escrita emotiva, lírica, carregada de grande verticalidade e frontalidade ideológica.

Homem,
abre os olhos e verás
em cada outro homem um irmão.

Homem,
as paixões que te consomem
não são boas nem más.
São a tua condição.

A paz,
porém, só a terás
quando o pão que os outros comem,
homem,
for igual ao teu pão.

Armindo Rodrigues

12/05/10

Comentários anónimos



Hoje, pela primeira vez desde que me empenhei neste blogue, recebi três comentários anónimos (só podia ser, embora um se assumisse indecorosamente com um pseudónimo que atestava quem poderia estar na sua origem...). Além de anónimos eram ofensivos, e vinham a propósito do post que coloquei parafraseando o artigo do presbítero do Porto. Não se tratavam de textos (que notoriamente eram da mesma pessoa) contestá rios do artigo, o que seria , por mim , bem recebido. Eram textos incongruentes, mal-educados, ordinários e que não atentavam unicamente contra mim , as pessoas que cá vêm, ou o meu blogue, mas também (imaginem!) contra o papa e a igreja... arrisco a dizer que quem os escreveu devia estar tomado ou por algum psicotrópico ou por alguma debilidade mental ou emocional, tais eram os disparates indecorosos, e em várias direcções, nãos sendo sequer contestário, era apenas mal intencionado (e muito ébrio...).
Por pudor, optei por não os publicar.

Ressalto , no entanto, o seguinte: os comentários anónimos não me são bem-vindos, mesmo os que possam ser concordantes ou cordatos. Já os comentários de contestação e demarcação de opinião, identificados!, são merecedores da minha atenção e respeito.

A diferença de ideias nunca me foi obstáculo para a construção de muitas amizades, já a falta de educação, a ofensa ordinária e o desrespeito por mim, pelos que me são caros, e pelos meus valores, ideias e ideais, sim!

Já tinha lido alguns posts noutros blogues a propósito deste tipo de comentários, agora verifiquei na primeira pessoa, que não são meritórios de melhor tratamento.

Este, é um espaço meu, onde debito o que me aprouver, mas também aberto à discussão!
Os únicos requisitos são a dignidade e o respeito!

Adenda: e como "o criminoso retorna ao local do crime", não contente com as mensagens da última madrugada, voltou a debitar a que publiquei, agora, nos comentários. Esta, é a menos indecorosa e ordinária que me foi deixada na caixa de comentários, optei por publicá-la para denunciar a falta de "sobriedade" (e dignidade) deste anónimo.
De resto, por mim, este assunto acabou.Não merece nem mais um parágrafo.

10/05/10

Crimes eclesiásticos

Jornal Fraternizar, edição n.º 177, de Abril-Junho 2010

Papa Bento XVI vem a Fátima caucionar um crime, porventura ainda pior que o da pedofilia, que o clero de Ourém cometeu, em 1917, contra três crianças daquela freguesia
Pelos vistos, nos próximos dias 12, 13 e 14 de Maio, o papa Bento XVI, vem mesmo a Portugal, concretamente, Lisboa, Fátima e Porto, sem querer saber para nada de tudo o que ultimamente está a ser revelado na comunicação social sobre os inúmeros e escabrosos casos de pedofilia, ocorridos no interior da Igreja, inclusive, com clérigos em cargos de grande visibilidade e cujos bispos, no passado, foram seus cúmplices (o próprio papa, na qualidade de Cardeal Ratzinger, à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, terá feito de conta, quando, há anos, foi sabedor de um desses casos mais escabrosos). No mínimo, é uma insensatez que o papa Bento XVI está a cometer. Perante tudo o que está a ser divulgado (e, em muitos casos, até já confirmado pelos Tribunais de cada país), o papa Bento XVI, se tivesse um mínimo de pudor (o Poder monárquico absoluto nunca será capaz de semelhante qualidade humana, habituado que está a excomungar quem não diz com ele, quem dissente dele, mesmo por fidelidade a Jesus, o Evangelho Vivo de Deus Criador, nosso Abbá, entre nós e connosco) já teria anunciado, nesta data, urbi et orbi, que essa e outras viagens “pastorais” de chefe de Estado do Vaticano ficariam canceladas sine die. Tanto mais, quanto, que, no caso presente de Fátima, das três crianças da freguesia, escolhidas e arregimentadas em 1917 pelo clero de Ourém (o clero não olhou a meios só para, com aquela montagem das “aparições” de Maio a Outubro, tentar pôr de novo as populações a rezarem o terço, todos os dias, a frequentarem a missa ritualizada ao domingo e a regressarem à tenebrosa prática das primeiras nove sextas-feiras de cada mês; já agora, porque não as primeiras doze sextas-feiras do ano?! O que faziam os clérigos confessores nos três meses restantes?!).

Sim. Em verdade, em verdade vos digo: o, teologicamente imbecil, fenómeno das “aparições” de Fátima foi, perversa e metodicamente, preparado pelo clero de Ourém, e, por isso, perfaz uma barbaridade de todo o tamanho, certamente, pior, muito pior, que os inúmeros casos de pedofilia, à excepção, porventura, daqueles casos mais escabrosos. Hoje, sabemos bem quais foram os resultados dessa barbaridade, com tudo de crime sem perdão (desculpem a força da expressão literária, mas é a única apropriada, neste caso): – duas das três crianças, Jacinta e Francisco, irmãos de sangue e primos direitos de Lúcia, a mais velha das três e vizinha, porta-com-porta das outras duas (como se vê, ficou tudo em família!), quando a Pneumónica, poucos meses depois das “aparições”, atingiu o concelho de Ourém (como vêem, nem a senhora de Fátima lhe valeu! Pudera! E como havia de lhe valer, se aquilo é tudo mentira e invenção do clero de Ourém?!), não lhe resistiram, de tão fraquinhas que andavam com todos aqueles estúpidos “sacrifícios pela conversão dos pecadores”. Morreram ambas, num total abandono, por parte do clero de Ourém que, meses antes, as havia utilizado para aqueles perversos fins moralistas. Morreram as duas devoradas por indescritíveis dores e mergulhadas em horrendas alucinações, sobretudo a Jacinta, sozinha no Hospital D. Estefânia, em Lisboa (é um facto histórico, senhoras, senhores, não é invenção minha, nem do Jornal Fraternizar). E quanto à outra menina sobrevivente, a mais velhinha, é absolutamente obsceno o que o clero de Ourém e o próprio Bispo auxiliar do Patriarcado, candidato a Bispo e, depois Bispo titular efectivo, da restaurada Diocese de Leiria, lhe fizeram (já, então, pelo andar da carruagem, era previsível que Fátima viria a ser a galinha de ovos de oiro da Igreja em Portugal e da Cúria Romana e, por isso, uma e outra se apressaram a restaurar a Diocese!...). Obrigaram Lúcia, pela força – e com um chorrilho de mentiras clericais à mistura, de que ela era “vidente”, etc e tal – a sair de Fátima e da família. Sequestraram-na até à morte, primeiro, no então Asilo de Vilar, Porto, depois, num convento de Doroteias em Tui, Galiza, onde lhe foi imposto pelo confessor que tinha de ser freira, e, finalmente, freira de total clausura no Convento das Carmelitas, em Coimbra. Horrendo! Só mesmo de clero celibatário à força, eunuco à força, não, obviamente, eunuco pelo Reino /Reinado de Deus! A pobre rapariga tinha a terceira classe, quando a sequestraram, e assim ficou (ou pouco mais!), pelo resto da vida. E à mãe dela, que sempre disse que a conhecia bem e que aquela sua filha era compulsivamente mentirosa e vaidosa (por isso, nunca acreditou nem na filha nem nas “aparições”), nem mesmo na hora da sua agonia, deixaram que ela visse a filha; tão pouco, permitiram que, pelo menos, a mãe ouvisse a voz da filha pelo telefone! (Digam lá, se os sacerdotes e as freiras do Ídolo Religioso não são cruelmente vingativos e sádicos?!). Ora, é este horrendo crime e esta mentira sem perdão, que o papa Bento XVI vem caucionar com a sua visita de chefe de estado do Vaticano a Portugal e a Fátima, numa altura em que sobem de tom e de número, os clamores de inúmeras vítimas de casos de pedofilia, cometidos por clero, inclusive, de grande visibilidade, todos funcionários exemplares do Institucional Religioso-Eclesiástico católico. Haja modos e pudor, meu irmão Ratzinger!

Mário, Presbítero da Igreja do Porto

09/05/10

Irracionalidade



Eu não ligo a futebol, racionalmente até o contesto em múltiplos aspectos...
Mas sou benfiquista!,vermelha até ao tutano, portanto!
E, excepcionalmente, hoje, vou ver um jogo de futebol e fazer fiiiiiiigas!!!!!, para que o Benfica seja campeão!!

:))))))

Adenda: E FOI!!!!!!!!!!!!!!!!!!! PARABÉNS BENFICA!!!

08/05/10

Ajuda à Grécia



Uma grande intervenção na Assembleia da República:

A situação que se vive na Grécia e noutros países é a consequência da irracionalidade do sistema vigente na União Europeia.

Uma política assente em orientações monetaristas favoráveis aos grandes grupos económicos e às potências do directório da União Europeia, mas que penaliza fortemente as economias menos desenvolvidas, designadamente com a política do euro forte e com a imposição de critérios monetaristas artificiais 3% com consequência no investimento público, na dinamização do mercado interno, nas desigualdades sociais.

Uma política que conduz à crescente financeirização da economia, à degradação das capacidades produtivas dos países menos desenvolvidos, como acontece com Portugal, à estagnação e à recessão.

Uma política que se orienta para o benefício do capital especulativo.

Ao longo da crise em curso foi gritante a falta de solidariedade da União Europeia e em especial das suas principais potências. Deixou-se agravar o ataque dos especuladores em relação à Grécia, e também em relação ao Portugal e outros países, quando a situação podia e devia ser travada com uma posição mais forte perante essas operações. Está hoje aliás evidente que as notações e as supostas inseguranças dos mercados, nada mais são do que a pressão para aumentar o juro das dívidas e assim as margens de lucro do capital especulativo.

Nesta crise ficou claro como funciona a União Económica e Monetária. Um bom exemplo é a acção do BCE, guardião da ortodoxia monetarista. O BCE pode emprestar e empresta dinheiro a instituições bancárias, independentemente até da sua solidez, à taxa de 1%. Mas está proibido de emprestar dinheiro aos Estados em dificuldades, por imposição e interesse da Alemanha.

E mesmo perante a situação de crise, a evidenciar que é preciso fomentar a economia dos países menos desenvolvidos, mantêm-se absurdamente os critérios monetaristas dos 3% de défice, mesmo que isso implique uma ainda maior destruição das economias, do emprego, do desenvolvimento.

O que se propõe agora à Grécia é uma dose cavalar da mesma política que tem sido imposta todos estes anos e que também não queremos para o nosso país.

Congelamento de salários e pensões, corte de subsídio de férias e de Natal para trabalhadores e reformados, redução de salários na administração pública, aplicação de uma regra 5/1 nas entradas e saídas da administração pública, mais uma revisão brutal do investimento público, destruição de direitos e salários no sector privado, privatização e liberalização de sectores públicos essenciais, encerramento de serviços públicos por exemplo ferroviários, contracção fortíssima de despesa social, etc. etc..

Estas medidas vão criar mais dificuldades à Grécia, tal como as que entre nós estão a ser aplicadas criam em Portugal. Sem dinamização do mercado interno, sem mais investimento não há crescimento. Sem crescimento não há receita. Sem receita não há dinheiro para pagar a dívida pública.

Mais ainda, este dinheiro vai, mais uma vez, para o sistema financeiro. Para os mesmos que criaram a crise, que lucraram com ela, que dinamizam a especulação. (BES)

Entretanto pagam os mesmos de sempre: os trabalhadores e o povo.
Estamos contra este caminho, como estamos contra a aplicação no nosso país da política que ele perpetua.

Sim, a União Europeia deve ajudar a Grécia. Mas o que está aqui em causa não é uma ajuda, é uma condenação ao atraso, à dependência, à crise social. As verdadeiras ajudas não chegaram a aparecer.

E não nos digam que este caminho é inevitável!

Estamos fartos que nos digam que só há este caminho; que o resultado seja a estagnação, a recessão e a pobreza e ainda assim nos digam que só há este caminho.

Que o sistema favoreça os especuladores e ainda assim nos digam que só há este caminho.

Que as desigualdades aumentem e ainda assim nos digam que só há este caminho.

Que os grupos económicos e o grande capital concentrem cada vez mais a riqueza e nos digam que só há este caminho.

Que o desemprego e a precariedade alastrem, que os salários as reformas e as prestações sociais sejam cortados e nos digam que só há este caminho.

Não, Srs. Deputados não há só este caminho. Este caminho não serve o povo grego, nem o povo português nem os povos da Europa.

É por isso que cada dia está mais claro que para a Europa, como para Portugal, é preciso outro rumo, é preciso outro caminho.

Por Bernardino Soares

Confissão



Aborreço-te muito. Em ti há qualquer cousa
De frio e de gelado, de pérfido e cruel,
Como um orvalho frio no tampo duma lousa,
Como em doirada taça algum amargo fel.

Odeio-te também. O teu olhar ideal
O teu perfil suave, a tua boca linda,
São belas expressões de todo o humano mal
Que inunda o mar e o céu e toda a terra infinda.

Desprezo-te também. Quando te ris e falas,
Eu fico-me a pensar no mal que tu calas
Dizendo que me queres em íntimo fervor!

Odeio-te e desprezo-te. Aqui toda a minh’alma
Confessa-to a rir, muito serena e calma!
……………………………………………………..
Ah, como eu te adoro, como eu te quero, amor!…

Florbela Espanca

07/05/10

Saudade



Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

Pablo Neruda

05/05/10

Cidadãos pela Laicidade

Petição 'Cidadãos pela Laicidade' entregue a Cavaco Silva protesta contra condições concedidas à visita de Bento XVI
De Fernando Carneiro (LUSA)

Lisboa, 04 mai (Lusa) - "Cidadãos portugueses tencionam entregar nos próximos dias ao Presidente da República, Cavaco Silva, uma petição a manifestar "veemente protesto" pelas condições de que se reveste a viagem a Portugal do papa Bento XVI.

Os subscritores da petição "Cidadãos pela Laicidade" alegam que, embora o Estado português mantenha relações diplomáticas com o Vaticano, o Presidente Cavaco Silva, ao receber Joseph Ratzinger com honras de Chefe de Estado e simultaneamente como dirigente religioso, "fomenta a confusão entre a legítima existência de uma comunidade religiosa organizada e o discutível reconhecimento oficial a essa confissão religiosa de prerrogativas estatais".

"Importa ter presente que o Vaticano é um regime teocrático arcaico que visa a defesa, propaganda e extensão dos privilégios temporais de uma religião e que não reúne os requisitos habituais de população própria e território para ser reconhecido como um Estado", dizem os subscritores do documento."


Acresce a isto que as despesas logísticas empreendidas nesta vinda são deproporcionalmente avultadas para a "crise" tão propangueada, quando conveniente ao sistema, claro. De resto, os milhões que se perdem com as anunciadas tolerâncias de ponto, serão sempre cobrados posteriormente aos mesmos, como se sabe...
São honras jamais extensíveis a outro chefe de estado ou líder religioso (quem se lembra , por exemplo, da vinda do Dalai Lama a Portugal?!).
Portugal tem de se assumir como um estado laico, imune a qualquer influência ou controlo religioso!

Indignação!

05 Maio 2010, no Correio da Manhã

Bandeira do PCP impede funeral

Um diácono recusou acompanhar, da Igreja do Pé da Cruz até ao cemitério de Faro, o funeral de Cândida Silva, 57 anos, católica e militante do Partido Comunista Português (PCP).

02/05/10

Mãe


Um dos poemas, inéditos, mais bonitos que li nos últimos tempos e que hoje escolhi para postar neste blogue:

Há momentos em que não posso
Em que não sou
Macera-me o corpo
A inacção por te não ter
Por não te ouvir
Por não te ver
Ainda agora – posso jurar!
Aqui estavas
Mãos nas minhas

E promessas
E desejos
E coragem
Sonhos
Vontade
Futuro
Em tudo existias
Agora mesmo
Ou já foi ontem, mãe?
Não era tua a voz
Que me trouxe do sono?
Que me alentou?
Quem me chamou então?

José Pedro Namora

01/05/10

Despedida


(Setembro de 1994- 1 de Maio de 2010)

A despedida, comovente, de um amigo a outro amigo. Quem reconhece o quão amigos são estes seres, partilhará desta dor connosco...

ADEUS

Nunca esqueceste, nunca traíste, nunca abandonaste. Estiveste sempre em mim, aqui, ali ou mais além, tão simples como o ar e as rosas, tão evidente como uma lágrima ou uma luz ou esta dor extrema.
Ias e vinhas sobre a terra, deitavas-te junto ao limoeiro ou sobre as tábuas do meu chão, a ouvir os pássaros e a música, e talvez cantasses para dentro no teu idioma sem palavras vãs, voltado para o crepúsculo, ao entardecer da casa amarela. Adormecendo às vezes, sonhando com as pedras e as árvores e um rio que nunca viste, defronte da amargura.

Maior dos amigos, adeus.

José Agostinho Baptista

"É tempo de lutar, com a luta de quem trabalha"



O dia do trabalhador em Portugal só foi comemorado em 1974, em consequência da conquista da liberdade tão almejada durante décadas, e conquistada por homens e mulheres que empreenderam a sua vida numa luta incansável pela igualdade de um colectivo oprimido.

Num tempo em que o desemprego assume números assustadores, em que os empregos se traduzem pela precariedade, em que os salários, ainda desiguais no género e noutros aspectos, têm um carácter explorador; em que nos ameaçam com o retrocesso de direitos e garantias conquistadas à custa de vidas humanas que se sacrificaram pela utopia da igualdade e da justiça social: a iminência se perder o 13º mês, de se aumentar o número de anos para assegurar a reforma, de se aumentar o tempo de trabalho para as 45 ( e até 50) horas semanais, de se facilitar os despedimentos, de se criar bancos de horas, etc etc

E o que se nos depara todos os dias, é a emergência de desigualdades descaradas que põem a cobro a pobreza alastradora nas facções sociais mais desfavorecidas.

E ainda há quem fique, hoje, em casa, sem dar voz ao seu protesto?!