Há perdas que nos inquietam, sem termos exactamente a compreensão das causas que encetam essa perturbação, ao ponto do pensamento não se arredar dessa perda e divagar em questões nada apaziguadoras.
Só conheci António Feio (e o José Pedro Gomes)de relance, um mero cruzamento quase casual no contexto comum que nos unia: o teatro. Não ultrapassou umas horas (se tanto) em que se trocou a simpatia cordial de colegas da arte em comum ( que tanto amávamos) e, no meu caso, a escuta atenta de quem tinha muito a aprender com os dois. Dizer que os admiro profissionalmente é inevitável, são arautos de talento no género cómico teatral, sobretudo, que aliam a uma ironia cativante e crítica social certeira. Fazem-nos (faziam-nos, em parelha)rir de nós mesmos de uma forma tão sadia!
Mas além disso, a que o meu interesse não era alheio, ressaltou-me a cumplicidade evidente entre os dois, que se traduzia pela expressão mais sublime que a humanidade inventou: a
Amizade! "sem condições, que essas só a estragam" e anulam. Como dizia José Pedro Gomes há minutos na televisão, a relação dos dois equiparava-se a um "casamento" onde a grande amizade ressaltava, aliada à reciprocidade do respeito e à evidência de grandes cumplicidades. E à partilha de grandes batalhas , profissionais e pessoais, acrescento eu.
Relembrar que António feio foi um modelo de luta pela vida, não chega. A doença que o acometeu é das mais fulminantes na retracção da vida que carregamos (ou nos carrega, já não sei...)e o António fitou-a durante mais de um ano! Não tenho dúvidas que foi a sua força, optimismo e humor( pelo qual era sobejamente admirado) que o sustentaram neste tempo e o retiveram entre nós. Aliado a isso, e é outra certeza que proclamo, a força (quase invencível) dos afectos na expressão do seu amor imenso pela família e amigos. Só o amor nos ancora na determinação da esperança, dos sonhos e das metas que traçamos!
Sem conhecer profundamente o António Feio, nem ter tido com ele qualquer elo de amizade, estou-lhe profundamente grata. Pelos ensinamentos profissionais, sim, mas sobretudo pela grandeza da sua mensagem , que prenunciava a partida anunciada:
" Aproveitem a vida,e ajudem-se uns aos outros. Aproveitem cada momento, e não deixem nada por dizer"
Acuo perante a dignidade deste carácter.
A essência da vida são os afectos! Que se saiba preservá-los e contornar as divergências inevitáveis ( e não raras vezes produto de equívocos e emoções exacerbadas), usando-as como mote para o reforço dos elos que nos ligam. Não deixando de reafirmar o quanto amamos os que queremos, por mais arestas que se interponham entre nós...
Obrigada António Feio!
3 comentários:
Belas palavras escritas e o lado humano enorme revelador do seu lindo interior.
Eu, que ando ultimamente de candeias às avessas com a morte, ou a vida (?), fiquei bem com a leitura do seu post...
Vou guardá-lo naquilo a que chamo: 'as minhas coisas'.
Obrigado.
César
Excelente texto!
Um beijo.
César Ramos: há perdas irreparáveis e quase inultrapassáveis... um abraço solidário para ti, espero que a dor possa atenuar ou dar lugar a alguma aceitação (dífícil, eu sei...) com o tempo. E talvez a partilha de afecto e as palavras que disseram possam amenizar o sofrimento...:(
um beijo,
Fernando Samuel: Obrigada, um beijo amigo.
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