Prefácio à edição revista
Oito longos anos mediaram entre a denúncia de abusos sexuais na Casa Pia de Lisboa e a condenação em julgamento de seis arguidos. Durante esse período, as vítimas, crianças indefesas e, na generalidade, sem família - e todos quantos ousaram posicionar-se a seu lado - foram perseguidas de forma sistemática e cruel. As pessoas que durante esse período me abordaram, sempre com palavras de amparo, reiteravam, incrédulas na Justiça, o aviso: “Isto não dá em nada e no final, você e os miúdos é que vão acabar presos”.
No dia aprazado para a leitura do acórdão, ao entrar na sala de audiências, não pude deixar de pensar nessas advertências. E se tanto sofrimento, o das vítimas e o das pessoas que nunca as abandonaram, tivesse sido em vão? Sentada a meu lado, Catalina Pestana, a mãe afectuosa de tantos casapianos órfãos de tudo, persistia serena, confiante.
Depois, os rapazes entraram. E com a coragem e resistência dos que falam verdade, ocuparam os seus lugares de assistentes no processo. Quanta dignidade: não obstante saberem que na mesma sala estariam os arguidos que acusam de maus-tratos pavorosos, persistiram tranquilamente no anseio de justiça! E não soçobraram quando, revelando o horror, o colectivo de juízes deu início à descrição dos factos por que vinham pronunciados os arguidos.
Gradualmente, fui percebendo o sentido do acórdão. Afinal, ameaças, agressões, campanhas desenvolvidas por gente sem escrúpulos, forças colossais colocadas ao serviço da descredibilização das vítimas e da investigação, tinham resultado infrutíferas ante o juízo exigente e honrado de três magistrados. Em consequência, os arguidos foram condenados a penas de prisão efectiva cuja soma ascende a 50 anos e sete meses: Carlos Silvino, 18 anos, Carlos Cruz e Ferreira Diniz, 7 anos cada, Jorge Ritto, 6 anos e 8 meses, Hugo Marçal 6 anos e 2 meses, Manuel Abrantes 5 anos e 9 meses.
Se em Portugal se soubesse que os abusadores sexuais, predadores incansáveis, pensam a cada instante em como vitimar crianças, os condenados deveriam ter recolhido imediatamente à prisão. Infelizmente, aproveitando o laxismo e o excesso de garantias que as nossas leis lhes oferecem, retomaram, em coro síncrono, os mesmos argumentos falaciosos que ao longo de todo o processo tinham arremessado contra as vítimas.
Valeu tudo, até afirmações irresponsáveis de que Portugal estava ainda pior do que no tempo dos tribunais plenários. Ora, a verdade é bem diferente: os arguidos foram indiciados, acusados, pronunciados e condenados por magistrados diferentes. Ao longo do processo puderam exercer todas as garantias de defesa que a constituição e a lei lhes atribuem.
O espectáculo aviltante que condenados por crimes gravíssimos contra crianças proporcionaram ao país, com a anuência cúmplice de parte considerável da nossa imprensa e das já conhecidas consciências de aluguer, ficará para sempre como elucidativa demonstração de que são capazes de tudo. E exige, aos que se opõem à barbárie, o dever de perseverarem na defesa dos ofendidos. É com essa intenção que agora se reedita este livro, correspondendo a um convite de Zita Seabra, cuja activa e constante solidariedade para com as vítimas quero realçar.
José Pedro Namora
A25A
Há 2 dias
6 comentários:
Felizmente, fez-se Justiça no final do processo.
Bjs.
Acho que se fez alguma. Muita ficou por fazer, mas é um marco.
Foi muito bem visto este post Sílvia, parabéns.
joão Pedro disse
Como escreve o Pedro Namora: Vale a pena lutar ! Pedro Namora, Catalina e tantos outros que lhes deram ãnimo para lutarem, para não aceitarem a rendição, tornou possível mostrar que a dor das crianças não mente.
Pela minha parte, obrigado a todos os que não desistiram desta luta.
Não é o momento para te falar, de novo, do 4 de Setembro...
Bj.
É verdade: VALE A PENA LUTAR!
Um beijo.
Nelson Ricardo: alguma , sim... mas quanto a mim, ficou muito aquém do que seria desejável para um crime tão perturbador e horrível como este.
Um beijo,
Armando: a meu ver, muita mesmo. Nem te confesso, por aqui, o que , para mim, seria justo...Mas é um marco, sim. Alguma coisa mudou, sinto isso: a sensibilização da sociedade para estes crimes, a maior denúncia dos mesmos, o alerta para estes casos, e a credibilização nas crianças cuja "dor não mente".
Um beijo,
João pedro: vale mesmo!! Mesmo que demore, tarde, a luta é o caminho que urge percorrer e persistir!
O Pedro e a Dra. Catalina, O prof. Américo, a Felícia, o Bernardo , o dr. Miguel (advogado das vítimas)são seres que reviraram a história dos direitos das crianças em Portugal e do olhar social que recai sobre elas, sobretudo às menos favorecidas.
Quanto á tua acusação de fuga: Eu não fugi!! Perdi-te a caminho de setúbal, na Festa. Ai a teimosia. Ah ah ah
:))
beijo amigo,
Fernando Samuel: vale mesmo!!
"Quem não luta perde sempre!"...:)))
Beijo,
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