Cruzámo-nos há 20 anos quando ainda éramos meninas... Sempre fomos "especiais", lembras-te? E tão iguais, naquele tempo... até fisicamente, não fosse o cabelo trair-nos a semelhança... Invejava o teu cabelo, longo e loiro, esse brilho fulgente que te irradiava o olhar e o rosto. Tu invejavas as minhas notas e a inteligência que supunhas que eu tinha... mas éramos amigas, e gémeas, dizíamos, ancoradas nas tolices da adolescência que nos incutiam os astros, e os designíos do futuro. Gracejávamos com isso, lembras-te?
Eu recordo aquelas tardes de estudo, que depressa se transformavam em audições de música que íamos roubar ao teu irmão (recordas os Allan Person Prost?! e os Pink Floyd ? e depois os Doors...? - Eu nunca os esqueci.). Recordo os lanches que a tua avó nos fazia, as tartes e os sumos de maracujá, para trato da nossa gula e culpa das dietas que , na altura, já nos apoquentavam. E as conversas intermináveis, deitadas em jardins, quando sonhávamos com o Che, com o Imagine do Lenon?! Quando suspirávamos os primeiros amores e prometíamos que íamos ser sempre amigas...
Escreveste-me um dia uma carta, que ainda resguardo no baú, sobretudo no dos afectos, e dizias que eu era especial para ti. Nunca te respondi, mas creio que sabias o quanto era recíproco, e hoje, passados 20 anos , minha amiga, reafirmo-te: ainda és tão especial, para mim!
A vida apartou-nos. E deixámos de ser gémeas, para nos afirmar-mos , provavelmente, em antípodas de sonhos e metas.
Eu saí da nossa cidade, fui explorar outros mundos, aprofundar os sonhos e devaneios da nossa infância. Tu resignaste-te ao nosso mundo de outrora, desfazendo-o a pouco e pouco, dentro de ti... seguiste os preceitos que a sociedade, desde cedo, nos impõe , sobretudo pela "batuta" das nossas mães. Tiraste um curso mediano perto de casa, casaste cedo, tiveste filhos de seguida (hoje têm , quase, a idade da nossa amizade,acreditas?!)e lutaste pela afirmação social, pela casa com piscina, pelo desfilar dos códigos que eu luto por desconstruir...
Eu parti desde cedo. Quis crescer além do mar e aprofundar os sonhos que partilhámos. Não quis o teu mundo (não quero!), continuo a desbravar os livros, que um dia tentei que partilhasses. Ainda ando nas lutas sociais e políticas, que evitas , sobretudo hoje, quando discretamente e sem te comprometeres, te esquivas a debater o nosso mundo... E ainda sonho (acreditas nisto?!) com o mundo que um dia idealizámos...
Sei que isto te afigura absurdo, e no entanto, também fascinante pela minha persistência. Mas confesso-te, por vezes sinto-me cansada e olho para o teu caminho, imaginando que seria, para mim, o mais fácil, porém, certamente, o que me faria menos feliz... e imagino-te, ainda sonhadora, e nostálgica,a contemplar os devaneios dos teus filhos, com a ternura e complacência, que um dia almejámos das nossas mães.
Porque a memória persegue-nos, nestes dias de Junho, pelos nossos aniversários, reafirmamo-la com trocas de mensagens, que ainda vingam o carinho e afecto de outros tempos.
Parabéns, minha amiga, minha "gémea", "minha Isabelinha".
Ainda acredito, imagina!, que a
"Amizade é tudo" !
5 comentários:
Peço desculpa se me vou precipitar e enunciar um grande disparate!
Mas..., na vida, uns nasceram 'obedientes' e, outros, teriam de cumprir o destino dos combatentes!
Tudo, sem prejuízo de continuarmos irmãos resistentes, mesmo 'gémeos', de signo
e de sina!
Cumpts.
[e parabéns]
César Ramos
Aprove-se ou critique-se, fica uma forte, sentida e tenho a certeza que verdadeira, declaração de amizade incondicional. E que bela...dia 10 está à porta!
generosos na diferença
os amigos podem ser uma vida
Belo, belíssimo texto!
Um beijo.
César Ramos: É um facto, somos diferentes uns dos outros e isso não é de forma alguma impeditivo de qualquer manifestação de afecto, ou amizade. beijo.
Armando: Incondicional mesmo!!Nós também já vamos pelos 20 anos de amizade, certo, mesmo à distância? E mesmo com tantas diferenças... :)) beijos,
Mar Arável: é isso, as diferenças são atenuadas pela generosidade,aceitação, tolerância e afecto. A pensar no assunto, a verdade é que a maoiria das minhas amizades se edificou assente em muitas diferenças... Beijo.
Fernando Samuel: Um beijo:))
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